Num festival internacional com olho no mercado, “mas com filmes que tenham o que dizer”, segundo o diretor de cinema René Sampaio, o longa-metragem Eduardo e Mônica conquistou o prêmio de melhor filme estrangeiro, em Edmonton (Canadá). Aberto para o mercado norte-americano, para se ter ideia, o festival, em 2016, selecionou os cinco títulos destacados pelo Oscar como finalistas a melhor filme internacional.
É na base da popularidade, feito para grandes plateias, que o longa Eduardo e Mônica promete, impregnado de sotaque brasiliense, cravar sucesso para o segundo título de uma pretendida trilogia a ser assinada por Sampaio, num cinema que tem gênese em músicas de Renato Russo. Em 2013, René assinou Faroeste caboclo. “Filmes respeitam o drama, a música, a métrica e o ritmo; na fidelidade, meu o cinema dialoga com ambos”, explica o diretor. Ele destaca: “O Brasil é extremamente musical. Nunca diria que deixarei de fazer filmes baseados em música, muito pelo contrário”.
Aos 46 anos, René assegura, entre idas e vindas para a capital (dividida com a vida no Rio de Janeiro), que Brasília é quase tão personagem quanto Eduardo e Mônica. “Beira o triângulo amoroso. Brasília opõe e junta os protagonistas”, adianta.A história de amor de Eduardo (Gabriel Leone) e Mônica (Alice Braga) vem entremeada por imagens da conservada quadro modelo 308 Sul, do Parque da Cidade, da piscina do Defer e do Congresso Nacional, além da Chapada dos Veadeiros, intimamente ligada à fita.
Qual a conjuntura internacional de acolhimento a seus filmes? E no Brasil?
Faroeste Caboclo, há sete anos, foi premiado em Dallas e, começando no Festival de Toronto, que é um dos grandes festivais, rodamos ainda o mundo com o Faroeste. Entramos em muitos, com caráter não competitivo. Fizemos carreira internacional sólida, numa época em que todos festivais funcionavam a pleno vapor. Por enquanto, lançamos Eduardo e Mônica em Miami, e, na sequência, veio o lockdown. Fecharam as fronteiras, e, por pouco, não conseguimos voltar para o Brasil. Fomos convidados para 15 festivais, mas eles viraram on-line. Pelo risco de pirataria, e de as pessoas só assistirem nas plataformas, optamos por aqueles que, com segurança, sejam presenciais. Conforme a pandemia vá regredindo, podemos voltar ao circuito internacional. A gente trabalha com aglomeração, digo, cinemas, shows... Aguardamos o momento em que as pessoas se sintam seguras, para novamente voltar, e participar da experiência coletiva. Ainda estamos sem data. Mas, acredito que até o meio de 2021, teremos o lançamento. Queremos se encontrar todo mundo: fazer a festa, se abraçar e se beijar; chegado o momento, voltaremos.
Como é contrastar prêmios com o descaso governamental pelo cinema?
Eduardo e Mônica, como todos os filmes do Brasil que têm recebido reconhecimento, mostram a importância do audiovisual e da cultura brasileira. A gente rompe fronteiras do mundo inteiro, com um trabalho de extrema qualidade. Espero que isso sirva para sensibilizar o governo que a cultura é uma questão de estado, e não de governo. Não se trata de concordar ou não com a visão de fulano ou beltrano. Se não for pelo aspecto cultural, que, para alguns, soa como mais etéreo, que seja vista a questão econômica: movimentando milhões de reais, o audiovisual emprega milhares de pessoas. Precisamos mudar o tratamento com o setor. Estamos estagnados, e mesmo antes da pandemia.
Como está a expectativa do encontro do público?
São dois grandes atores. Costumo dizer que quem escolhe são os personagens. A gente testou outros atores, mas o casal a química de que precisávamos estava nestes dois. O que fez do filme especial é a química do casal. É um filme de ator, de atuação. É um filme de emoções: não tem tiro, não tem porrada, não tem bomba. Já, falando das salas de cinema: assim como a gente está esperando para reencontrar aquele parente que não consegue ver, por ser do grupo de risco, ou pela missão de protegermos uns dos outros; a gente, esperando um pouquinho mais, encontra o Eduardo e a Mônica que está todo mundo esperando há tantos anos, desde 1986, quando foi lançado o disco Dois da Legião Urbana. Todas as postagens que fazemos resultam numa incrível interação com o público. Temos muita esperança de que o filme chegue a bastante gente.
Como se dá sua relação com Brasília e qual a importância de contar com um roteirista de Brasília, Mateus Souza?
Hoje estou no Rio, mas meu coração está sempre em Brasília Tenho casa em Brasília, tenho casa no Rio de Janeiro. Vou muito a Brasília para trabalho: tenho uma produtora na cidade. Tenho uma relação que nunca foi cortada com a cidade. Sou um cineasta essencialmente brasiliense. Moro dentro de uma mala: ou seja, onde tiver trabalho (risos). Quanto ao roteiro, o diretor busca os parceiros que possam ajudá-lo a melhor contar a história pretendida. O Mateus me ajudou muito na estrada, para contar uma história emocionante. Ele é um especialista no campo das comédias românticas. O roteiro teve ainda criação de Cláudia Soto, Michele Frantz e Jessica Candal, para encampar a pluralidade de vozes. O sotaque brasiliense do Mateus foi fundamental. Conhecer a cidade... Veio o drama de ser brasiliense, a solidão sentida por alguns, pelas grandes distâncias. Ele teve a adolescência em Brasília. O filme tem sotaque brasiliense, do começo ao fim. A equipe é íntima de Brasília, por ter feito Faroeste Caboclo.
Qual a sua relação com a família de Renato Russo?
Sempre tive ótima relação com a família do Renato Russo. Tanto quando a mãe dele e a irmã controlavam os direitos, e agora com o Giuliano Manfredini, que cuida da memória do pai. Minha relação sempre foi muito transparente. Sempre foram grandes apoiadores. A família sempre nos deu muita liberdade, sempre repassando um sentido de responsabilidade em relação à obra, de fazermos o melhor possível. Vejo que, sim, o eu poético do Renato sempre lidou com as questões da solidão. Mas, Eduardo e Mônica é uma música muito solar. É uma música que fala de encontro. O eu poético dele tendia um pouco ao melancólico ou mais introspectivo. Com Eduardo e Mônica, fizemos um filme bastante solar. Os conflitos, na música, saem do verso “a barra mais pesada que tiveram”. Em algum momento, pesa a crise. Isso foi contemplado, organicamente, no roteiro. Não perdemos a profundidade da obra do Renato.
O filme é nostálgico?
É um filme feito sobre os anos 1980, com a ótica de 2020. É um filme moderno: não é para agradar quem estava nos anos de 1980. A relação dos dois é atemporal. Ele discute relações humanas, amor, paixão, como conviver com as diferenças entre pessoas, como se respeitar, como se amar. Falamos de como não querer mudar o mundo em tudo. Isso ficou muito atual. Para além do love story, discutimos como amar e respeitar. Será que alguém está certo em tudo mesmo, com a inflexibilidade? Temos uma mensagem de tolerância. No Brasil de lutas de classe, com os que são muito menos favorecidos economicamente com quem tem mais condições de vida: há uma discussão válida, no filme, para qualquer status social. É diferente do Faroeste caboclo que falava de miséria e das diferenças financeiras. O Eduardo não é rico, ele é classe média: filho de militar. Não há distância social, como no caso de Santo Cristo e Maria Lúcia (de Faroeste caboclo). Mas pesa diferença social. O mundo convida à pluralidade Não é apenas um tipo de filme que deve ser feito no Brasil. Diversas abordagens podem ser abordadas pelo cinema.
Qual o sentimento íntimo de ter realizado a obra?
Fazer este filme foi um grande reencontro comigo mesmo na minha cidade. Veio à tona a adolescência que tive, os espaços que frequentei, muitas das locações foram lugares em que vivi. Tem (no filme) casa de amiga, o Parque da Cidade: são lugares que têm a ver com experiências de vida. Sem querer pesar a mão na solidão, acho que Brasília traz o lado dos grandes espaços, vazios, com um céu enorme. O isolamento você quebra a partir de relacionamentos. Tem a questão do certo silêncio, do vento, o lance do azul do céu: não é que queira usar no cinema, mas não sei é como escapar disso. Chegando em Brasília, você não pode deixar de ser surpreendido pelo horizonte, pelo céu azul e pela sensação de se sentir pequenininho, em meio a tudo isso. No Parque da Cidade, você pode atravessar, e fica 15, 20 minutos, sem ver ninguém! Isso não acontece no Jardim Botânico (no Rio), no Central Park (Nova York), no Ibirapuera (São Paulo). Isso é muito Brasília. Minha introspecção criativa reflete nos personagens de Eduardo e Mônica.