Museu Nacional

Dificuldades administrativas prejudicam atividades do Museu Nacional

Museu Nacional da República enfrenta impasses como a dificuldade administrativa de contratar um diretor e a falta de orçamento próprio para exposições

Nahima Maciel
postado em 26/10/2020 07:24
 (crédito: Ed Alves/ CB DA Press)
(crédito: Ed Alves/ CB DA Press)

O Museu Nacional da República ficou fechado durante seis meses por causa da pandemia e, quando reabriu as portas, em 18 de setembro, precisou enfrentar uma série de mudanças. Além de adotar protocolos com as regras de distanciamento e higiene agora imprescindíveis para o combate ao coronavírus, a instituição também estava sem diretor. Charles Cosac, que esteve à frente do museu desde janeiro de 2019, havia deixado a direção desde agosto e a instituição estava sob os cuidados interinos da artista plástica Sara Seilert, assessora do ex-diretor e servidora da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa.

Há mais de um mês, o secretário de Estado de Cultura e Economia Criativa (Secec), Bartolomeu Rodrigues, se movimentou para escolher um novo nome para a direção do museu e convidou Cinara Barbosa, curadora e professora do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (IDA/UnB), para assumir o cargo. No entanto, após realizar o convite, a Secec voltou atrás e retirou a proposta, gerando um desconforto em parte da classe artística do DF e uma desconfiança em relação ao futuro do Museu Nacional da República. “Ficamos meses conversando, mantendo em sigilo, mas, infelizmente, não deu para compatibilizar o cargo que ela tem na UnB com o nosso”, diz o secretário. “Infelizmente, os salários são muito baixos, o próprio cargo de secretário é um valor baixo comparado com secretário municipal de algumas cidades.”

O “desconvite” foi resultado de um impasse administrativo que evidencia o pouco valor dado aos equipamentos culturais e à economia criativa de forma geral. Cinara é servidora federal e o GDF não tem estrutura administrativa para requisitá-la para o cargo de direção do museu. Para que a professora da UnB assumisse o cargo, ela precisaria ser classificada como DAS 4 e, no caso da direção do museu, o posto equivale à classificação de “natureza especial”, com salário de R$ 4.685. “Era o que o Charles (Cosac) ganhava, o que o (Wagner) Barja ganhava. E Cinara ficou impedida porque o GDF não tem estrutura administrativa nem orçamento para pagar. Isso mostra o quanto a nossa carreira é desvalorizada pelo GDF”, lamenta Sara Seilert, que comemorou quando soube do nome da professora como possível diretora do museu.

Além disso, o Museu Nacional nunca teve orçamento próprio e acaba por ser administrado por meio de projetos que, muitas vezes, dependem da disponibilidade e boa vontade de colaboradores externos. Mesmo assim, ele guarda o acervo de arte contemporânea mais importante da cidade, um misto da coleção pertencente ao Museu de Arte de Brasília (MAB) e de doações recebidas nos últimos anos. O Museu Nacional tem uma despesa anual de R$ 6 milhões, o que representa 2,6% do orçamento total da Secec.

Para Sara, a presença de Cinara na instituição seria uma maneira de aproximar a academia da produção artística da cidade. “Houve uma vontade, uma intenção de nomear a Cinara, o nome dela é um nome forte, importante paras as artes em Brasília, e o secretário e eu ficamos muito animados com a ideia de trazer alguém da UnB porque poderia finalmente criar um vínculo maior com a academia. Mas o que aconteceu é um imbróglio administrativo e burocrático”, lamenta.

Cinara Barbosa chegou a ser cedida pela UnB após decisão unânime do colegiado do Instituto de Artes. Ela acredita que o Museu Nacional tem papel estratégico para o DF e para a produção artística brasileira. “Acredito na produção artística brasileira e no trabalho de formação fundamental que a Universidade de Brasília van desenvolvendo, contribuindo assim com o cenário das artes. Sou professora universitária, curadora, com experiência de gestão de projetos e, de desafios. Acredito que é por esta carreira profissional que meu nome foi indicado por agentes do nosso sistema das artes, considerado por órgãos responsáveis a votado por unanimidade em reunião colegiada para cessão”, explica.

O impasse levou a Secec a nomear Sara Seilert como diretora interina do museu, mas o secretário Bartolomeu Rodrigues disse que não vai desistir de procurar alguém para o cargo. “Estamos num período de pandemia, o museu está abrindo aos poucos, não estou com ansiedade de achar alguém rapidamente. A Sara é uma pessoa da casa, altamente qualificada, ela tem qualificação, inclusive, de ficar. E a gente vai examinar com muita calma. Se puder trazer alguém de categoria como a Cinara, a gente vai trazer”, garante Rodrigues.

Valorização

O salário destinado ao cargo de direção de uma instituição do porte do Museu Nacional da República e o impasse administrativo geram um questionamento quanto à valorização de profissionais da cultura no DF. Para o artista Christus Nóbrega, que é professor da UnB e presidiu a reunião de colegiado que aprovou a cessão de Cinara Barbosa para o cargo, a situação é lamentável. “Estamos falando de um salário de um professor e que, dentro da carreira administrativa, é o mais baixo”, aponta. “E estamos falando de um cargo de importância nacional e internacional. Se isso não é prioridade absoluta para o governo, é de se assustar.”

Para o secretário de Cultura, a questão não passa pela desvalorização da cultura. “Não é o quanto vale a cultura, não acho certa essa leitura. É apressada, um pouco até equivocada”, diz. “Na verdade, é o Estado brasileiro o problema, o GDF gasta muito mais com servidores por exemplo, a folha de pessoal é o que mais pesa nos gastos do DF. A questão é outra. Vamos pagar bem, seguir a lei de mercado e onerar mais ainda a máquina do estado? Mas ninguém está chamando para fazer filantropia”, garante.

» Quatro perguntas // Sara Seilert, diretora interina do Museu Nacional da República

Para você, que é profissional concursada da Cultura, a dificuldade de contratação de um diretor para o museu reflete o quê?

Revela uma questão política que é da desvalorização do nosso cargo e da nossa carreira, não só enquanto servidora e enquanto estrutura administrativa do GDF. Eles mostraram que a gente não merece os bons cargos, a secretaria de economia absorveu vários cargos da secretaria de cultura, em meados do anos passado, e rolou um enxugamento. E onde eles enxugam? É sempre na cultura e na educação nesse país.

Você está como diretora interina do museu. Como encara esse cargo?

Estou me sentindo um pouco um cão de guarda porque senti, nesse momento, um olho gordo para esse negócio. Mas olha, as pessoas não sabem o que é ser diretor deste museu. Não é essa glamour não. O Charles (Cosac) foi embora insatisfeito com a burocracia e a dificuldade com o orçamento. A gente não tem dotação orçamentária. O museu sobrevive, primeiro, do acervo, que a gente pode expor. Mas o museu sempre recebe exposições temporárias que chegam com sua produção mais ou menos pronta. É uma curadoria um tanto como limitada por conta do nosso modus operandi. Às vezes, a gente recebe várias propostas e pode escolher. Mas, às vezes, não tem tantas escolhas assim. Aí, geralmente, faz exposição com acervo e colaboradores. A gente sempre conta muito com ajuda de colecionadores de Brasília, galeristas e curadores independentes que propõem. Eles bancam tudo. As contas são, basicamente, para manter o prédio funcionando. Temos, ao todo, 13 funcionários, contando a equipe de atendimento ao público, e quatro estagiários

Qual o papel do museu na comunidade?

A minha experiência como professora de Artes na rede pública do Distrito Federal, antes de minha nomeação no cargo que ocupo atualmente na Secretaria de Cultura, me levam a perceber o Museu Nacional da República como espaço para o exercício da atenção e educação do olhar para a diversidade e para a desconstrução de preconceitos. Este Museu tem um público muito diversificado, por sua localização privilegiada e pelo edifício que por si só também é uma obra de arte que o público, especialmente os turistas, vem visitar. E por essa potencialidade de alcance, ele se torna um ponto de encontro e articulação valioso na cadeia produtiva das artes no DF e no Brasil. Um recorte sempre vai existir, porque não tem como mostrar tudo ao mesmo tempo agora, mas com um espaço expositivo grande como esse dá pra abarcar uma diversidade.

Qual a situação do museu agora, com a reabertura mesmo durante a pandemia?

No meio da pandemia o museu ficou um pouco esquecido e agora volta assim. Estamos abertos ao público em horário reduzido, às sextas, sábados e domingos e no dia 13 de novembro vamos inaugurar outras duas exposições: O sertão, curada por Simon Watson, no mezanino e no expositivo principal uma curadoria com obras do Museu Nacional e do MAB, um recorte com obras da produção brasiliense, de artistas de Brasília ou que residem aqui há muito tempo ou que contribuíram muito para a construção da cultura visual da cidade, com curadoria minha. Também vamos expor um acervo, está sendo negociado, de mobiliário modernista restaurado pelos alunos do núcleo de conservação e restauro do IFB.



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  • Sara Seilert é a diretora interina do Museu Nacional da República
    Sara Seilert é a diretora interina do Museu Nacional da República Foto: Front Filmes/ Divulgação
  • Cinara Barbosa foi convidada para a diretoria
    Cinara Barbosa foi convidada para a diretoria Foto: Ana Rayssa/ CB DA Press
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