Dividindo o palco e o talento, pais e filhos na música emocionam o público

Eles dividem o gosto pelas melodias, letras, instrumentos musicais e até mesmo gêneros diferentes, mas sempre com muita cumplicidade e carinho

Irlam Rocha Lima
postado em 10/10/2020 07:00
 (crédito: Renata Samarco/Divulgacao)
(crédito: Renata Samarco/Divulgacao)

A propensão de pais influenciarem filhos na escolha da profissão se verifica em várias atividades. No universo das artes, em especial no da na música, observa-se também essa tendência. São muitos os cantores, instrumentistas, compositores e arranjadores consagrados cujos descendentes seguiram a mesma carreira e conseguiram obter êxito.

Em Brasília, há vários casos de pais músicos que se tornaram referência para os filhos na hora da definição do que fazer profissionalmente. Mas há, também quem optou trilhar esse caminho por decisão própria, não levando em consideração o exemplo que tinham dentro de casa. Outro aspecto a ser considerado é o de que, em alguns casos, mesmo com a influência paterna exercida, o estilo musical escolhido pelo herdeiro foi outro.

Roqueiro e guitarrista, que tinha Jimi Hendrix como ídolo, Henrique Santos Filho viria a se tornar um chorão, usando como pseudônimo Reco do Bandolim. Obteve tanto destaque ocupa o cargo de presidente do Clube do Choro, hoje uma das mais importantes instituições culturais da capital. Não foi por acaso, portanto, que o filho Henrique Neto seguiu trajetória semelhante, embora como violonista. “O Henriquinho, desde a infância, sempre viveu em ambientes musicais, tanto no Clube do Choro, quanto em casa, convivendo com Raphael Rabello, Armandinho Macedo, Dominguinhos. Certo dia, sem que eu o incentivasse, o vi tocando bandolim. Depois passou para a guitarra e, por fim, para o violão 7 cordas. Veio a ser tornar um violonista virtuoso, que brilha também como compositor.e arranjador”, destaca Reco.

Referência

“Meu pai sempre foi uma referência para mim, não apenas como músico. Além de me proporcionar uma formação artística, inclusive como gestor, me estimulou a ter um olhar humano em relação a tudo a que viesse fazer. Em 19 anos de carreira, lancei dois discos solo, fiz várias turnês internacionais com o grupo Choro Livre”, conta Henrique Neto, músico de formação acadêmica, atual diretor da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello.

Uma das fundadoras da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, da qual foi spalla, a violinista Khatia Pinheiro, depois de aposentado criou a produtora Toccata, da qual fazem parte uma banda de jazz e a Orquestra Brasileira de Arte, Cultura e História (OBAZH).

“Sinto-me feliz por ter duas filhas que seguiram o meu ofício. A Flávia Contreiras violinista, radicada em San Diego, na Califórnia (EUA), onde atua como violinista e professora. Natália Pinheiro, flautista, mora no Rio de Janeiro, toca em apresentações com outros instrumentistas, inclusive em musicais”, diz Khatia, sem esconder a corujice. “Frequentemente, estou em contato telefônico com elas”, acrescenta.

Natália vê a mãe como “ídola” e fonte de inspiração. “Segui na vida artística, com certeza, por influência dela. Cresci no Teatro Nacional Cláudio Santoro, assistindo a ensaios e a concertos da Orquestra Sinfônica. Mas, me apaixonei pela música, mesmo, foi quando participei do coro infantil da ópera Carmem, de Georges Bizet. A partir dali, com a emoção de estar no palco e de receber os aplausos do público, descobri que era aquilo que me fazia feliz”, ressalta a flautista.

Cantor, compositor e violonista, o piauiense-brasiliense Clodo Ferrreira, coautor de sucessos, como Revelação e Ave coração, com presença marcante na cena artística da cidade, tem dois herdeiros que também seguiram a carreira musical. “Não creio que foi por minha causa que João e Pedro se tornaram músicos. Ainda criança, João se matriculou na Escola de Música, mais tarde se tornou bachararel pelo Departamento de Música da Universidade de Brasília (UnB). Há algum tempo, é professor de violão na EMB e toca guitarra no Natiruts. Pedro é percussionista e criou um grupo de forró. Os dois costumam me acompanhar nos shows que faço e, em nossos bate-papos, a música é quase sempre o foco principal”, relata Clodo. Pedro deixa claro que não foi por sugestão do pai que se tornou músico, mas faz uma ressalva: “Pertencer a uma família em que a música é uma das principais atividades nos ajudou, a mim e ao João, a desenvolver o afeto por esta forma de expressão artística. A partir dela passamos a ter uma visão melhor do mundo”.

Espelho

Um dos fundadores e band leader do Raimundos, o guitarrista e vocalista Digão é um dos personagens mais populares do rock nacional. Com mais de 30 anos de carreira, ele poderia ser um espelho para o filho Ricardo Werneck, que também é músico. Mas não é bem assim que ele vê. “Eu sempre deixei os instrumentos que utilizava à disposição de Ricardo, mas isso não significa que o estava influenciado. Quando passou a se interessar pela música, escolheu o piano como instrumento e olhar e ouvidos se voltavam para compositores eruditos. Só depois que o vi tocando teclado é que o apresentei o som de bandas inglesas dos anos 1980”, lembra.

“Tive o interesse despertado para o rock depois que meu pai me apresentou o trabalho de bandas como The Cure e, principalmente, Echo & the Bunnymen. Participei de algumas apresentações de meu pai em Brasília, para, no máximo, 100 pessoas. Foi bem tranquilo. O mais importante, porém, foi tocar piano na gravação do DVD acústico do Raimundos, na faixa I saw you sayng. Fiquei nervoso, mas acho que correspondi a expectativa”, ressalta Werneck.

Mesmo pertencendo à geração oitentista do Rock Brasília, ao lado da amiga Cássia Eller, Janette Dornelas sempre teve ligação com a música de ópera. As duas, inclusive, fizeram parte do coro na montagem de Porgy and Bess, de George Gershwin, encenada pela Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional. Hoje, uma das mais elogiadas cantoras líricas do país, segue uma carreira de sucesso, protagonizando peças de Giuseppe Verdi, Giacomo Puccini e Georges Bizet. “Há algum tempo, venho me dedicando também à Casa da Cultura Brasília, da qual sou diretora. Mesmo com muita ocupação, pude perceber que Bruna Torre, minha filha, havia se tornado vocalista de uma banda de rock”, comenta.

“Cheguei à música por influência da minha mãe e do meu pai, Denis Torre, que, além de baterista de uma das primeiras bandas do rock brasiliense, é dono de uma das mais requisitadas equipes e som da cidade. Sou vocalista da Mirante, banda de pop rock, mas participei da live que minha mãe apresentou recentemente. Como moramos juntas, a música acaba sendo assunto frequente em nossas conversas, principalmente agora, neste período de isolamento social, determinado pela pandemia”, revela.

Violonista que, durante vários anos, formou o grupo Dois de Ouro com o irmão e bandolinista Hamilton de Holanda, Fernando César é coordenador da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello e professor de violão. Há algum tempo, vive uma nova realidade, dividindo espaço em casa com outro instrumentista, o filho e contrabaixista Bento Tibúrcio.

“Possivelmente, o gosto do Bento pela música veio do ambiente familiar. Ainda na infância, ele me surpreendeu tocando Carioca no saxofone. Passou pelo bandolim e, aos 7 anos, se fixou no contrabaixo.A primeira vez que tocou em público, era aluno da Escola de Choro. Agora, aos 13 anos, está matriculado na Escola de Música e faz aulas on-line com o tio (Hamilton de Holanda). Ele esteve ao meu lado no palco algumas vezes”, destaca Fernando. De forma sucinta, Bento se expressa: “Com meu pai, compartilho a felicidade de tocar junto”.

O baixista Ricardo Vasconcellos pertence a uma autêntica família do-ré-mi. Nela, todos os membros são ligados à música: o irmão e pianista Renato, as irmãs Helena, também pianista, e Cristina, cantora; e os filhos André (baixista), Marco (guitarrista) e Pedro (cavaquinista). Ex-integrante da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional (ele se aposentou na década passada), mantém-se em atividade tocando em formações de jazz. Com Pedro, que toca em grupos de choro, samba e jazz, tem grande afinidade artística. “Atualmente, estou morando no Rio de Janeiro, mas estou em frequente contato com Pedrinho, um músico virtuoso e polivalente. “Fui muito influenciado por meu pai, que sempre me fez ouvir vários gêneros de música, inclusive a erudita. Dele, recebi sempre bons ensinamentos”, exalta o cavaquinista, que possui licenciatura em música pela UnB e tem 20 anos de carreira.

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