Que o Twitter é a rede social das polêmicas, a maioria dos frequentadores do site já sabe. Apesar disso, uma discussão envolvendo afrescos da Capela Sistina e a influenciadora Débora Aladim chamou a atenção no início da noite desta sexta-feira (25/9).
É que a moça postou um recorte de uma das pinturas com a legenda: "Eu simplesmente amo que o Michelangelo deixou um tanto de beijos gays escondidos no Vaticano e ninguém nunca vai poder apagar por ser um patrimônio da humanidade", comentou.
A mensagem estava com quase 40 mil curtidas e mais de 6 mil repostagens, quando a belo-horizontina desativou o perfil na rede social após sofrer várias críticas. Entre os principais apontamentos dos internautas, está o fato de que o artista renascentista poderia ser alinhado à postura moral da Igreja Católica, uma vez que fez muitos trabalhos para a instituição, e de que o casal recortado por Aladim estaria entre as almas condenadas da cena do Juízo Final.
Historiadora responde
Mas, afinal, é possível que a YouTuber esteja certa e que Michelangelo realmente tenha deixado um easter egg, ou seja, uma pista, sobre a homossexualidade para as futuras gerações bem no coração do cristianismo? Professora de artes e doutora em história pela Universidade Federal de Goiás, Vanessa Clemente Cardoso explica que essa é uma pergunta difícil de responder.
“Não podemos falar sobre a intenção do artista por que o Michelangelo não deixou nada escrito, ele não documentou o significado das obras”, explica. E esse é um ponto importante no mistério. A história é baseada em evidências, isso significa que as diversas correntes podem teorizar apenas em torno de um determinado eixo, do que se consegue compreender dos registros deixados de certa época.
“Muito se fala, por exemplo, que Michelangelo teria tentado afrontar a igreja, colocando o homem como o centro da Criação e Adão, outro afresco da Capela Sisitina, através do desenho de um cérebro (que aparece no plano de fundo da pintura). Mas, outros autores, mais famosos e reconhecidos, acreditam que era apenas um reflexo da grande paixão que o pintor nutria pelo estudo da anatomia, que estava sendo resgatado no renascimento”, exemplifica.
Além disso, o alinhamento moral do artista com a igreja não é algo tão óbvio e dedutível assim. “A maioria dos cientistas e artistas da época era cristão, ainda que não concordassem com determinadas práticas. Apesar disso, o fato de Michelangelo ter feito muitas obras para a Igreja Católica não significa, necessariamente, que ele tivesse um pensamento alinhado à cúpula do vaticano. Isso porque a figura do mecenas, uma espécie de patrocinador das artes, estava despontando naquela época e patrocinar obras de arte era uma maneira de demonstrar riqueza e poder, por isso a igreja contratava tantos artistas”, lembra a pesquisadora.
Vaticano LGBT
Ainda que os documentos históricos não permitam afirmar a intenção dos grandes nomes do passado, o fato de que há pinturas representando homossexuais dentro do Vaticano acabou virando atração para um nicho específico de turistas. A abordagem foi explorada comercialmente pela empresa italiana Quiiky que, em 2014, criou uma rota específica chamada “A história não contada”.
Na época, o então presidente-executivo da companhia, Alessio Virgili, concedeu entrevista ao jornal estadunidense The New York Times na qual falou justamente sobre os afrescos da Capela Sistina mencionados por Aladim.
“Por exemplo, falamos de Michelangelo. Ele era um católico devoto e ao mesmo tempo homossexual, com um sentimento constante de culpa e conflitos internos refletidos em suas obras. Quando olhamos para o “Juízo Final” da Capela Sistina, nossos guias não deixam de mostrar no canto superior direito duas figuras masculinas que se beijam para celebrar a ascensão ao céu”, declarou.
Para os internautas brasileiros, é provável que a questão vire apenas mais uma polêmica levantada para espantar o tédio da pandemia ou, talvez, uma curiosidade sobre uma das obras de arte mais famosa do mundo.