Há alguns anos, o cinema e a realidade virtual, tecnologia de imersão por meio de 3D, imagens 360º e sonorização alcançadas com auxílio de óculos (normalmente displays estereoscópicos que servem como o meio pelo qual o usuário se conecta com o mundo virtual por um sistema computacional), vivem um flerte. No entanto, o formato ainda caminha mais devagar do que esperado. Pelo menos, quando se trata do consumo. Em relação à produção, as iniciativas se consolidam a cada dia.
“Na produção, a gente sempre fala que é uma revolução que começou ao mesmo tempo no mundo inteiro. Por mais difícil que seja, ainda é para todo mundo. Ainda não se tem uma indústria”, explica o cineasta Ricardo Laganaro, responsável pelo curta-metragem brasileiro A linha. Desde o ano passado, a produção vem arrebatando prêmios pelo mundo. O mais recente foi o Emmy de melhor inovação em programação interativa e um dos mais expressivos foi o de melhor experiência em VR no 76º Festival de Veneza. Em 2019, o filme esteve no Festival Curta Brasília.
As vitórias do curta-metragem, inclusive, apontam que não há uma hegemonia norte-americana, por exemplo no formato. “Em Veneza, os projetos premiados em realidade virtual foram do Brasil, da Nigéria e da França. Que outro meio você está de igual para igual? Na produção estamos bem, mas precisamos ainda de mais gente fazendo, se não a gente perde a onda”, completa o diretor. Para ele, o maior desafio é em relação aos espectadores — óculos de VR mais barato custa R$ 59,90. “No consumo, aí sim é um problema. Praticamente não se vende óculos de VR (sigla para virtual reality), como lá fora. Então, começa a ter uma lacuna de público. Hoje essa é uma grande preocupação. Não só formar público, mas um ecossistema de consumo”, acrescenta.
Esse também é o pensamento de Rodrigo Terra, da ARVORE Immersive Experiences, responsável por A linha e outras iniciativas em realidade virtual no Brasil. “Existe essa dicotomia entre produção e consumo. Estamos nos organizando, mas está bem no começo. Não é só em entretenimento, a tecnologia é usada em medicina, no mercado imobiliário. A gente precisa primeiro conseguir um barateamento do aparelho e depois uma oferta maior de conteúdo”, entende.
O bom resultado de A linha nas premiações deve ter um importante impacto no cenário brasileiro, já que coloca o Brasil entre os protagonistas do formato. O filme se passa na década de 1940, em São Paulo, e retrata a história do entregador de jornal Pedro e a florista Rosa. Todo dia, o protagonista deixa uma flor amarela anonimamente para a dama. A tecnologia em realidade virtual se dá através da visualização de uma maquete em que é ambientada a trama.
“A realidade virtual é uma nova forma de contar histórias. Quando pensamos em A linha, a gente tinha algumas premissas de que fosse uma experiência que atingisse todos os públicos. Não só quem gosta de VR e tecnologia”, explica Laganaro. Por isso, a tecnologia é utilizada de forma bastante simples e intuitiva. A história avança conforme a pessoa se mexe comandando os trilhos em que Pedro cruza a cidade paulista, numa narrativa imersiva e sobre rotina e medo de mudança.
Concepção e desenvolvimento
O filme começou a ser feito em 2018. Parte do processo de concepção passou por visitas à Associação Brasileira de Ferreomodelismo e também de uma pesquisa histórica da cidade de São Paulo. A produção bebe muito da fonte dos conceitos das artes cênicas. "A linha tem essa narrativa muito imersiva, porque vai para além do filme, do cinemático e do audiovisual. A pesquisa foi muito dentro de como colocar a pessoa, o usuário para se emocionar com aquilo usando todos os seus sentidos. Tem muito paralelo com o teatro e a nossa vida cotidiana, cerca de objetos", afirma Terra.
Desde o lançamento, o curta-metragem foi passando por evoluções. Na versão exibida no Festival de Veneza, a experiência interativa se dava pelo usuário andando pela maquete, com o pressuposto de usar os movimentos do corpo para dar significado. Com o avanço nas pesquisas de rastreamento de mãos feito com a tecnologia do Oculus Quest e um objetivo de criar acessibilidade, o filme ganhou outra versão, em que é possível ver a mão do usuário e ainda seguir a trajetória mesmo que sentado.
Trilha sonora
A trilha sonora de A linha é outro ponto crucial da narrativa imersiva, que tem narração, mas não tem diálogo. Ela foi concebida por Ruben Feffer e Gilson Fukushima com o objetivo de ser mais um fator de emoção da trama.
Por se passar na década de 1940, a produção tem trilhas de chorinho, valsa e misturas que perpassam pela música barroca e o jazz. A sonoridade também busca identificação com a época, por isso tem o chiado de um rádio e um vinil antigo.
Conforme, a trama avança, a trilha vai junto ganhando sons eletrônicos e heroicos, à la Indiana Jones com uma orquestra mais épica e que ainda remete ao som do quarteto de Liverpool, Os Beatles.