Cinema

Festival É tudo verdade celebra os 25 anos com exibições on-line

Do Brasil para o mundo, esta edição do Festival Internacional de Documentários é sobre reinvenção e celebração do cinema não ficcional

A história do cinema documental se confunde com a do próprio cinema. Foi quando os irmãos Lumière inauguraram publicamente o registro do movimento por meio de recortes do cotidiano, que também nasceu o documentário. Como forma de trazer destaque para o gênero especializado, há 25 anos o jornalista Amir Labaki concluiu que era necessário abrir espaço para exibir, assistir e discutir documentários e, a partir disso, fomentar e reconhecer os trabalhos.

Isso culminou no festival É Tudo Verdade. Antes, o fundador desse projeto avaliou que as grandes mostras nacionais não dedicavam a atenção devida às produções do tipo não ficcional. “O maior orgulho é ter estabelecido uma janela nobre para a produção documental brasileira e internacional no país. O festival surgiu do inconformismo frente a virtual invisibilidade dos documentários no Brasil de 25 anos, numa filmografia vigorosa com obras de Alberto Cavalcanti, Humberto Mauro, Vladimir Carvalho, Helena Solberg e Eduardo Coutinho, para ficar em poucos exemplos”, cita Amir.

Nesta quarta-feira (23/9), às 20h30, estreia a segunda etapa on-line da 25ª edição do maior festival do gênero documental no país. Em um ano atípico, o É Tudo Verdade — Festival Internacional de Documentários encontrou um dilema para celebração das bodas de prata, pelo casamento longevo com o cinema não ficcional: como festejar em meio ao luto e à impossibilidade do encontro? “O desafio inicialmente era celebrar a marca de 25 anos evitando ser autocentrado. Com a pandemia, veio um desafio ainda maior: o de reinventar tudo em menos de uma semana. A primeira etapa, entre março e abril, exibiu mais de 62 horas de mostras especiais e retrospectivas e atingiu um público maior do que o festival do ano passado. Para a segunda etapa, competitiva agora, buscamos facilitar ainda mais o acesso on-line e gratuito”, destaca o jornalista e crítico de cinema. Serão exibidos mais 61 títulos, que se somam aos 30 da primeira etapa.

Abertura

A abertura do festival contará com a exibição do filme A cordilheira dos sonhos (La cordillera de los sueños, 2019) de Patricio Guzmán, em sessão presencial para convidados, no Belas Artes Drive-in (SP), às 20h30, e também em sessão on-line simultânea na plataforma do site É Tudo Verdade. A programação completa com horários e links para o evento pode, também, ser encontrada na página do festival, no Looke. 

Além da abertura da mostra competitiva, estão abertas, a partir desta quarta (23/9), as inscrições para a 26ª edição, que ocorre ano que vem, entre 8 e 18 de abril. O formulário deverá ser preenchido e enviado até 18 de dezembro. Vale lembrar que o festival é reconhecido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas do EUA, como um evento classificatório para o Oscar. Os vencedores nas competições, brasileira e internacional, de longas/médias-metragens e de curtas-metragens são qualificados para a inscrição na premiação, visando a disputa do Oscar nas categorias melhor documentário de longa-metragem e melhor documentário de curta-metragem. 

Encerramento

Já o encerramento, em 4 de outubro, ocorre com a cerimônia de premiação que se iniciará às 18h. Além disso, haverá, às 20h, a transmissão do filme Wim Wenders, desperado, que faz a estreia no continente americano. Desperado é uma meditação intimista sobre o trabalho do cineasta visionário Wim Wenders, que soube refletir o espírito de uma geração. Apresentando materiais inéditos e encontros exclusivos com Wenders, o filme tem participações especiais de Francis Ford Coppola, Willem Dafoe, Patti Smith, Andie MacDowell, Ry Cooder, Rainer Werner Fassbinder e Werner Herzog, entre outros.


Marcos Finotti/Divulgação - É Tudo Verdade- Vladimir Carvalho apresenta sessões da Retrospectiva Brasileira. Ele foi o diretor homenageado da edição de 2015 do festival.


Vladimir Carvalho (Cícero Dias, O compadre de Picasso, 2016; A bolandeira,1968; e Conterrâneos velhos de guerra,1991) é uma das principais conexões do festival de documentários com os brasilienses e esteve presente na segunda edição, de 1997, como jurado. Depois disso, se tornou grande referência e presença garantida no festival com diversos trabalhos, sendo o diretor homenageado, em 2015, e voltando ao corpo de jurados em 2019. “Eu fui muitíssimo influenciado pelo festival. Me trouxe um impulso notável e na carreira dos meus filmes. Devo muito ao É Tudo Verdade. Acompanhei desde as primeiras edições e sou frequentador assíduo e apaixonado. O Amir contribuiu para um salto de qualidade na aceitação e na colocação do filme documentário no panorama do cinema brasileiro”, ressalta o diretor.

Três perguntas // Amir Labaki

Por que os festivais de cinema, principalmente os especializados, são tão importantes para o 'fazer audiovisual', assim como para o público que recebe as produções?
Festivais celebram a excelência da produção audiovisual e fomentam a discussão do estado das coisas da novíssima safra. Aproximam filme, realizadores, público e mercado.

O festival tem importante visibilidade e prestígio dentro do país e também fora. Como você avalia a desenvoltura do Brasil, se assim posso chamar, na produção audiovisual documental nesses 25 anos?
O Brasil tem forte tradição na área dos documentários, logo não surpreende que esta tenha se reafirmado neste quarto de século. Nossa produção não ficcional jamais antes tinha sido tão vigorosa, inovadora, influente e acessível. Talento e interesse não faltam. Seria essencial, de um lado, envolver as tevês e plataformas de streaming no fomento direto aos documentaristas e, de outro, respaldar com uma política pública regular a distribuição, exibição e difusão do documentário.

Quais pessoas e ações você pode destacar como fundamentais para o sucesso e longevidade do festival?
Impossível resumir em alguns nomes. Para começar, há que agradecer aos cineastas e produtores que nestes 25 anos nos têm confiado a pré-estreia nacional de seus filmes. A estabilidade e o reconhecimento do festival devem muito, também, à fidelidade de parceiros tradicionais como o Itaú Cultural e o Sesc-SP. Sendo este (Correio Braziliense) um jornal de Brasília, é obrigatório saudar Vladimir Carvalho, que esteve na gênese do festival (nosso encontro em São Paulo em 1993) e nos têm honrado com inúmeras participações com obras em competição, debates, júris e retrospectivas.

*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira

Seis filmes para começar no Festival É Tudo Verdade

A cordilheira dos sonhos, de Patrício Guzmán. (Chile, 2019, 84min)
No Belas Artes Drive-in (SP) e on-line, pela plataforma do site É Tudo Verdade. Abertura da mostra competitiva. Quarta, às 20h30. Quinta, às 15h (on-line). Em A cordilheira dos sonhos, Guzmán encerra a trilogia formada por Nostalgia da luz (2012) e O botão de pérola (2015), num ensaio sobre a memória e a política chilena, e a dura herança do período autoritário do país.

Gyuri, de Mariana Lacerda. (Brasil, 2019, 87min)
Pela plataforma do Itaú Cultural. Mostra O estado das coisas. De 23 de setembro, às 13h a
5 de outubro, às 9h. Uma linha geopolítica improvável entre a pequena aldeia húngara de Nagyvárad e a terra indígena Yanomami, na Amazônia brasileira. Judia, sobrevivente da Segunda Guerra, Claudia Andujar exilou-se no Brasil e dedicou a vida à salvaguarda dos povos yanomami.

Utopia e Distopia, de Jorge Bodanzky. (Brasil, 2020, 72min)
Pela plataforma do site É Tudo Verdade. Sessões especiais. Em 26 de setembro, às 11h. Em Utopia e distopia, Jorge Bodanzky recorre às suas memórias afetivas da Universidade de Brasília (UnB) para nos mostrar um painel da juventude na década de 60. Sonhos e expectativas, crises e projetos interrompidos.

Eu caminho, de Jorgen Leth. (Dinamarca, 2019, 90min)
Na plataforma do site É Tudo Verdade. Sessões especiais. Em 27 de setembro, às 11h. Eu caminho é um ensaio autobiográfico sobre a vitalidade artística e a fragilização física pelo envelhecimento do cineasta e poeta dinamarquês Jørgen Leth, em atividade desde os anos 1960.

Filmfarsi, de Ehsan Khoshbakht. (Irã / Reino Unido, 2019, 83min)
Pela plataforma Itaú Cultural. Mostra informativa. Em 27 de setembro, às 13h. Uma jornada pessoal por meio da história do cinema iraniano popular e pré-revolução, o documentário desvela um Irã raramente visto, que lutou para conciliar tradições religiosas e a turbulenta modernidade de influências ocidentais.

Santiago das Américas, de Sílvio Tendler. (Brasil, 2019, 102min)
Na plataforma do site É Tudo Verdade. Sessões especiais. Em 3 de outubro, às 11h. No ano do
centenário de nascimento de Santiago Álvarez, Silvio Tendler lançou a cinebiografia do diretor cubano que se tornou referência no campo documental, um projeto que começou a ser filmado em 1988 e tem entrevistas inéditas de Santiago.

Serviço

25ª edição do É Tudo Verdade, Festival Internacional de Documentários
2ª Etapa, mostra competitiva. Pela plataforma do site etudoverdade.com.br, na plataforma Itaú Cultural, e no canal do festival no YouTube. Até 4 de outubro. Gratuito. Reexibição e estreia de documentários nacionais e internacionais em mostra competitiva, palestras e master class, bate-papos, conferências, e atividades paralelas. Verifique a programação detalhada no site. Inscrições para a edição de 2021 estão abertas, e podem ser feitas até 18 de dezembro, por meio de formulário que será disponibilizado no site.