Superpoderosas

Histórias que marcam o Distrito Federal ganham destaque em festivais de cinema. Longa-metragem Maria Luiza é premiado como melhor documentário internacional no México. Enquanto isso, professoras da rede pública de ensino ganham voz entre mulheres marcantes do país

A história da primeira militar transexual nas Forças Armadas do Brasil tem ganhado destaque internacional. O longa-metragem Maria Luiza recebeu, nesta semana, o prêmio de melhor documentário internacional no Humano Film Festival 2020, que aconteceu no México. A história ganhou a mídia nacional depois de uma série de reportagens do jornalista Marcelo de Abreu, e veiculadas no Correio Braziliense em 2000.
Natural do município goiano de Ceres, Maria Luiza da Silva, 59 anos, era José Carlos, mas nunca se identificou com o gênero masculino. Na Força Aérea Brasileira (FAB), trabalhou por 22 anos, com mecânica de aeronaves. Embora realizasse o trabalho com dedicação, se viu forçada a se aposentar, com metade do salário, quando o Alto Comando a diagnosticou como incapaz para o serviço militar, mas não incapaz para qualquer outro trabalho.
Começava aí uma luta de quase duas décadas por Justiça. Em maio deste ano, o ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a discriminação sofrida ao ser aposentada compulsoriamente. O magistrado destacou a ilegalidade da ação da FAB, e confirmou o direito de Maria Luiza permanecer no imóvel funcional que ocupa, no Cruzeiro Novo, até que seja implantada a aposentadoria integral referente ao último posto da carreira militar no quadro de praças.

Muito a celebrar

Agora, a premiação do documentário se soma às conquistas. “Está havendo uma repercussão muito além do que a gente imaginou e isso é muito bom”, comemora a estrela do longa. Ter concordado com a produção traz força e informação para que o país saiba lidar com casos semelhantes. “Hoje, a gente tem algumas outras militares nessa mesma luta e a elas eu digo: não aceite um desligamento e continue a luta. Todas vão ser vencedoras. Temos uma jurisprudência bem consolidada, então o recado é de defender seus direitos mesmo. Essas pessoas sempre terão o meu apoio.”
Para o diretor, Marcelo Diaz, há muito o que comemorar. “Falar sobre direitos humanos, neste momento que a gente vive, sobre direito a ser quem se quer ser, de uma maneira poética, é algo muito especial. Ter esse reconhecimento dá um gás para continuar, não só com o filme, mas com outros projetos sobre transformação e impacto social”, declara. A produção de 80 minutos de duração já foi exibida em festivais no Brasil, Estados Unidos, México, Colômbia, França e Suíça.
Em maio, aconteceria a estreia nos cinemas brasileiros, mas, devido à pandemia do novo coronavírus, precisou ser adiada. Agora, a expectativa é de entrar em cartaz em novembro, para, em seguida, ser veiculado em canais de televisão e plataformas de streaming. “Nossas gravações começaram no fim de 2016, e a primeira exibição foi em abril de 2019, no Festival É Tudo Verdade, em São Paulo. Quando terminou o filme, as pessoas fizeram fila, chorando, para abraçá-la”, lembra Marcelo. “Receber esse prêmio agora é muito importante porque tudo passa a ter um sentido maior. Deixa de ser um filme sobre a Maria Luiza, e passa a ser sobre direitos humanos, com a questão do afeto e, do que parece piegas, mas é muito importante: o amor.”

» Mulheres Inspiradoras

O projeto, iniciado em 2014, leva para a sala de aula, histórias de mulheres que fizeram história. Os alunos descobrem as biografias de personalidades como Cora Coralina, leem livros como Eu sou Malala e O diário de Anne Frank. Além disso, escolhem, no fim, uma mulher inspiradora da vida deles. O trabalho está em 41 escolas do DF, e já chegou também a Campo Grande.

Reconhecimento

Alcançar a igualdade de gênero é um dos objetivos de desenvolvimento sustentável estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Para fazer isso, é importante alcançar a equidade também no mercado de trabalho. Esse é o tema do documentário Como ela faz, dirigido por Tatiana Vilela e que aborda questões como a presença das mulheres em altos cargos de empresas, participação política, e impactos da maternidade. O filme recebeu o prêmio de Melhor Curta Metragem Estrangeiro, concedido pelo Hollywood Women’s Film Festival 2020.
As produções, feitas inteiramente por mulheres, começaram em abril de 2019 e está em fase de pós-produção para conclusão do longa-metragem de 80 minutos. Para inscrição no festival, no entanto, foi feita uma versão curta, de 22 minutos. Para o enredo, foram escolhidas 12 mulheres de diferentes profissões e classes sociais e, a partir delas, desenrolam-se outras histórias. “A gente tem muito a aprender, enquanto privilegiados, e para ouvir. (Fazer o filme) foi uma aula de raça, e gênero. Se a gente for atrás de aprender, consegue entender um pouco mais sobre a visão de Brasil e das mulheres”, avalia Tatiana.

Equipe

O “elenco” é de peso: entre as entrevistadas estão a jogadora da Seleção Brasileira de Futebol Feminino Cristiane Rozeira, a filósofa Djamila Ribeiro, a deputada federal Tabata Amaral, e a professora Gina Vieira, idealizadora do projeto Mulheres Inspiradoras (Veja Saiba Mais). “A maior alegria é a contribuição, do ponto de vista social, que esse documentário vai trazer. A gente sabe qual o peso do audiovisual para construir outras narrativas, provocar mudanças sociais e trazer outras representações”, ressalta Gina.
A equipe também acompanhou 24 horas da rotina da professora Gabriela Almeida de Lima, 33 anos. À época, ela dava aula no Centro de Ensino Médio 111 (CEM-111) do Recanto das Emas, e tinha acabado de ter o primeiro filho. “Quando gravaram, eu estava de licença maternidade. Meu filho tinha três meses e eles abordaram da mulher como mãe e a vida profissional em paralelo”, lembra.
Gabriela e Gina reuniram um grupo de alunas do CEM-111 para uma roda de conversa com a equipe do documentário e elas debateram a presença das mulheres em diferentes profissões. “Ter agora essa premiação é uma sensação muito maravilhosa de reconhecimento do trabalho que a gente faz. Ter participado desse documentário foi muito marcante na minha vida profissional e dos meus alunos. Ter esse reconhecimento internacional confirma e mostra tudo que dá certo na escola pública”, comemora Gabriela.