Com timbre inconfundível e uma das presenças mais relevantes na música brasileira, Margareth Menezes vivencia o período de lives no Instagram e no YouTube. Além disso, foi empossada, em agosto último, embaixadora da Unesco pela Organização Internacional de Folclore e Artes Populares, e retorna com disco de composições inéditas, após 11 anos. Ao Correio, a cantora reflete sobre o contemporâneo, a importância do folclore e da arte popular no Brasil; a diferenciação entre axé music e o AfroPop; o carnaval brasileiro, as belezas ocultas do país e a nova geração de lideranças que aparecem para questionar e mudar estruturas.
Durante a pandemia, muitos artistas migraram para o Instagram e realizaram lives. O que acha desse novo cenário?
Ainda não há nada certo sobre isso em relação à remuneração; nada que se compare ao processo natural do show. Acho que até a vacina realmente chegar e se estabilizar, a gente tem um bom caminho pela frente. Eu acredito que esse novo perfil que se inaugurou será mantido, porque também criaram novas possibilidades para a gente trabalhar. Mas, ao mesmo tempo, não é a mesma coisa de tudo que a gente precisa do palco. Apesar do nosso povo ter a cultura de festa popular, de show, futebol. Nós gostamos muito da multidão.
Você, recentemente, foi empossada como embaixadora da Unesco parte de folclore e cultura popular. Como analisa essas expressões no Brasil?
O folclore e a arte popular contêm a memória dos acontecimentos, das referências de cada lugar e região. O Brasil é enorme, diverso e composto por tantas contribuições, que o legado existente é muito rico. Cada vez mais, está havendo uma necessidade de resgatar essas simbologias todas, afinal, é um elemento de identidade nacional. Eu fiquei muito feliz pelo convite da Organização Internacional de Folclore e Artes Populares (IOV) que tem parceria com a ONU. Me sinto muito honrada com isso, espero poder colaborar.
Em uma entrevista sua, afirma a contemporaneidade do AfroPop e a diferença dele para a axé music. Qual seria a definição para eles?
A axé music não é um ritmo, é um movimento que aconteceu, como Tropicália e Novos Baianos, se unindo ao som dos blocos afros. A nomenclatura chegou para definir determinada situação que começou na Bahia, da efervescência de produção artística de uma geração, a qual faço parte, ligada a manifestação do carnaval. O axé veio com a mudança que a música carnavalesca da Bahia trouxe para a festa no Brasil, por meio do símbolo do trio elétrico.
E o AfroPop?
Na verdade, a cultura afro urbana sempre existiu com a contemporaneidade de nossas memórias misturadas com elementos do pop. Eu não inventei nada. É uma identidade que vem a mim enquanto referencial. Isso a gente tem de sobra no Brasil inteiro. O nome é uma questão de reconhecimento dos artistas negros para a cultura urbana do país. AfroPop é isso: o tambor e o computador.
Sobre as mudanças no carnaval, hoje ainda encontramos uma festa popular que conta com a divisão de setores e a presença da corda que separa a multidão. Como é isso para você?
São questões que fazem parte do desenvolvimento de como tudo isso foi concebido. Tem pouco tempo desde as transformações do carnaval. São formatos e experimentações, por assim dizer, que vêm sendo colocados de alguma forma. Era uma festa que acontecia no clube, veio para rua, criou um sentido meio elitizado, comercial, gerando fronteiras e investimentos. Hoje, existe um questionamento muito grande sobre isso. O conceito de carnaval mesmo, o do trio elétrico para todo mundo, está ficando cada vez mais forte. Com certeza, um lugar em que não tenha corda, existe muito mais participação popular.
O álbum Autêntica traz a contemporaneidade com novos artistas da cena musical. Você também fez uma live com a intelectual Djamila Ribeiro, a referindo como “pássaro da liberdade”. Qual é a mensagem para essa nova geração?
Acho que as conquistas ainda são tímidas, mas são valiosas. Conseguimos ver, em vários setores, a chegada de homens e mulheres negras, abrindo espaço para essa representatividade. Quando você educa seu povo, o progresso aparece. Precisamos buscar combater essa visão arcaica, colonialista e racista. Falar de racismo estrutural não era comum, mas hoje temos uma maior liberdade de comunicação. As redes sociais permitiram que, por exemplo, eu entrevistasse uma pessoa como Djamila Ribeiro, considerada uma das 100 pessoas mais capacitadas do mundo antes dos 40 anos. A luta contra o racismo é de todos nós, por uma sociedade mais justa, igualitária e humana. Vamos buscar essa revisão histórica para que o Brasil seja a grande nação que ele é.
Existe uma ideia negativa sobre a cultura brasileira e a preferência o consumo do que vem de fora?
A falta de fé no povo brasileiro é algo que me choca. Como que o próprio cidadão não acredita no nosso potencial de nação, de criatividade e representatividade. Quando você não consegue enxergar a maravilha da nossa cultura, ciência e potencialidades pode dar aval para essa má impressão existente prosperar. O Brasil tem um potencial de representatividade que só existe aqui. Pássaro da liberdade é essa nova geração e movimento que vem chegando.
Espiritualidade, maternidade e sagrado feminino são temas presentes no disco Autêntica. O que lhe inspira a compor as canções?
Sou muito intuitiva para compor. Não é como uma máquina, é sentida. Essa questão de fazer o disco, em parceria com a Natura Musical, foi uma oportunidade incentivadora para mim, que estava há 11 anos sem compor músicas. Tenho fases, mas, na pandemia mesmo, não fiz muito. Eu acredito muito na vida, na vibração solar e esse acontecimento dificultou. O Brasil, infelizmente, passa por um momento complicado, estamos colhendo o fruto da má receptividade do momento em que a coisa chegou.
Fé no povo, não é?
É isso aí. Fé no povo!
*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira