“Quando veio a pandemia e me vi em casa na primeira semana, pensei comigo: o que posso fazer para conseguir produzir cinema sem sair de casa?”, conta o diretor André Gustavo, de 47 anos.
A resposta está na série Crônicas da pandemia, cujos quatro episódios foram gravados pelos celulares dos atores, em suas casas. O primeiro capítulo foi disponibilizado nesta semana, gratuitamente, nas plataformas digitais da O2 Filmes (site, Facebook, Instagram e YouTube). Nas próximas semanas, os mesmos canais divulgarão os outros três curtas.
CRÔNICAS DA PANDEMIA - E SE FOSSEM CRIANÇAS from O2 Filmes on Vimeo.
Em parceria com a diretora Ale Pellegrino, Gustavo procurou abordar a fragilidade humana, ressaltada pelo contexto de quarentena. “Não quis entrar muito em temas políticos ou de morte, que estávamos acompanhando diariamente. Busquei histórias de ficção em que a gente pudesse de fato fazer um diálogo com este momento”, afirma.
Os atores que aderiram ao projeto não receberam cachê pelo trabalho. “Foi um projeto com a intenção de mostrar que é possível continuar fazendo filme, a despeito do que a gente vive no país. Não só pela questão do isolamento, mas também neste momento político”, afirma o diretor.
E se fossem crianças, o curta lançado nesta semana, trata da realidade de uma profissional de saúde em meio à pandemia do novo coronavírus. A narrativa foca no diálogo entre a protagonista (Elisa Volpatto) e sua terapeuta (Cecília Audi), durante uma sessão on-line. A rotina exaustiva no hospital surge entre os temas da análise.
Segundo André Gustavo, o roteiro de E se fossem crianças é o mais “melancólico” da temporada. “É um primeiro episódio mais dramático, mais denso, mas acho que termina com um olhar de respeito e esperança muito interessante.”
As cenas foram gravadas durante a madrugada, no apartamento da atriz, para aproveitar o silêncio da noite e simular a profissional se preparando para o plantão médico. O roteiro é assinado por Guto Portugal, marido de Elisa.
“A gente trabalhou nesse trio. Foi muito bom ter um roteirista e uma atriz na mesma casa e eu do outro lado”, comenta o diretor, que orientou as gravações por meio de videochamada, utilizando plataformas como Zoom e TeamViewer.
O segundo capítulo, protagonizado por Bruno Cortes, retrata de forma “bem-humorada” o dilema pessoal de alguém isolado e impossibilitado de sair de casa. “É um diálogo superinteressante, muito divertido e solto”, diz André. Denominado Lucidez, o capítulo será lançado na próxima segunda-feira (21).
O terceiro episódio acompanha uma mãe isolada em seu apartamento. Ela faz parte do grupo de risco da doença. Angustiada, a personagem, de repente, surta e sai de casa. A cena da fuga, protagonizada pela atriz Tóia Ferraz, foi gravada nas ruas de São Paulo.
“A gente saiu para filmar com equipamento a distância. A Tóia foi gravando e dirigindo, e eu, da minha casa, consegui acompanhar tranquilamente a distância”, conta o diretor.
Crônicas da pandemia termina com Sincericídio, que gira em torno do fenômeno das mídias sociais e o sucesso das lives durante a quarentena. “É um personagem que bebe dessa fonte e, ao invés de ir na mesma direção de todo mundo durante a pandemia, tem outra sacada para isso.”
André Gustavo elogia a disponibilidade dos atores em transformar suas casas em set de filmagens. “Todos eles abriram, literalmente, a porta de casa para a produção. A gente olhou, de acordo com cada roteiro, o que a gente precisava. Fizemos fotos, estudamos ângulos e eixos para analisar onde entrava luz e onde não entrava.”
Em alguns casos, o diretor assumiu o cenário da forma que o encontrou. “Utilizei a casa da Tóia do jeito que estava. Não mexi um livro, não troquei um copo do lugar.”
A precariedade do momento foi incorporada com a decisão de ter as imagens na vertical, dada sua captação por smarthphone. O diretor produziu um manual para orientar a equipe na produção dos curtas inspirado no Dogman 95, o inovador movimento cinematográfico criado pelo dinamarquês Lars von Trier. O Dogma 20, versão do paulista, estabelece algumas regras para manter uma unidade visual nas filmagens a distância.
André Gustavo espera que o manual influencie cineastas a produzir durante a paralisação do mercado audiovisual. “Adoraria que esse projeto ganhasse força e, através dessas pequenas regras, as pessoas exercitassem fazer um filme nesse formato vertical, porque é uma plataforma que cresce cada vez mais.”
Crônicas da pandemia
Curtas-metragens dirigidos por André Gustavo. E se fossem crianças, com Elisa Volpatto e Cecília Audi, disponível nas plataformas digitais da O2 Filmes (site, Facebook, Instagram e Youtube). O segundo episódio, Lucidez, será disponibilizado na próxima segunda-feira (21).
*Estagiário sob supervisão da editora Silvana Arantes