Foram mais de 180 dias sem que os músicos pudessem se apresentar nos bares e restaurantes do Distrito Federal. O impedimento fazia parte das medidas de enfrentamento do novo coronavírus. Nesta segunda-feira (15/9), o governo publicou no Diário Oficial um decreto revogando a proibição de shows ao vivo nos dois tipos de estabelecimentos, que estão autorizados a funcionar desde 15 de julho seguindo um protocolo sanitário que tem medidas como redução da capacidade de funcionamento para 50%, distanciamento entre as mesas e higienização regular.
A flexibilização era uma demanda do setor artístico, que se mobilizou em atos, como o manifesto Luz aos Invisíveis, e também por meio das associações e sindicatos, que chegaram a enviar uma carta aberta ao governo pedindo o retorno da música ao vivo e sugerindo protocolos. Também houve uma conversa com a Casa Civil com o apoio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF (Secec). “Não queremos aglomeração, nem violar nenhuma das restrições de combate à covid-19. Ficamos esses meses todos sem geração de trabalho e renda para músicos e técnicos. Com essa reabertura, teremos tanto os artistas, quanto a volta dos técnicos e dos roadies. É uma oportunidade dos profissionais voltarem a trabalhar, mas com segurança”, afirma Cacá Silva, produtor cultural e integrante da Associação dos Músicos e Artistas Populares do Distrito Federal e Entorno (ASMAP/DF-E).
Um dos espaços que retomou a música ao vivo no mesmo dia foi a rede de restaurante Dolce Far Niente, no Sudoeste e em Águas Claras. Mauro Joy, músico e responsável pela agenda cultural dos estabelecimentos, conta que amanheceu com a proprietária Lídia Nasser empolgada com a notícia e com a oportunidade de reestabelecer as apresentações musicais, que eram tradição no local e um pedido dos clientes. “Estávamos esperando essa retomada desde a semana passada, porque é toda uma categoria que ficou na rua da amargura. Tive amigos que venderam instrumentos musicais porque não tinham poder aquisitivo. Alguns recorreram ao auxílio emergencial. Outros ainda estão tentando a Lei Aldir Blanc”, explica. Na retomada, cautela para seguir as medidas de segurança, tanto para clientes, quanto para os profissionais. “Vamos fazer tudo de acordo com os protocolos”, garante. No primeiro dia se apresentaram o duo Essenziale, de Mauro Souza (piano) e Igor Macarini (violino), no Sudoeste, e o duo com Taliz Cecílio (voz) e Emanuelle Andrade (piano), em Águas Claras.
O produtor de eventos e sócio do Primo Pobre Bar, na Asa Norte, Pedro Batista se diz animado com o retorno dos artistas. “Nós, do Primo Pobre, sempre acreditamos que a música não é o motivo da aglomeração e o feriado de 7 de setembro mostrou esse negacionismo em locais que não tinham qualquer som rolando, como praias e cachoeiras. Ao mesmo tempo, nós estávamos realizando um festival no bar com lives e respeito às ações sanitárias, e tivemos ótimos resultados. Não dá para criminalizar o músico como se ele fosse o culpado, enquanto a culpa está na falta de respeito e conscientização de alguns”, afirma. A programação volta a partir de quinta-feira, com jazz: “Manteremos a presença de artistas daqui pra frente, com o cuidado redobrado, distanciamento social e respeitando todas as regras sanitárias”.
Organização
No restaurante Ticiana Werner, na Asa Sul, a expectativa é para que ainda neste fim de semana o local possa voltar a receber música ao vivo. Tradicionalmente, o espaço sempre uniu gastronomia e jazz. “Fui pega de surpresa. Mas estou me organizando para retomar no máximo na semana que vem. A gente tem condições de voltar, porque a música que tocamos no nosso espaço não promove aglomeração. É bem tranquila. As pessoas já escutavam sentadas. Os clientes gostam muito de tomar um vinho e escutar uma música”, diz. Aberto desde que o decreto permitiu, o espaço tem tido movimento oscilante, com maior fluxo às sextas e aos sábados. “No início da semana tem sido imprevisível. Mas é um trabalho lento e que será aos poucos. As pessoas chegam e se sentem à vontade e comentam com os outros colegas. Tem sido assim. E estou bem feliz em como os clientes estão cumprindo os protocolos”, completa.
A cantora Rosana Brown é uma das artistas que sempre tocou no Ticiana Werner Restaurante & Wine Bar. Ela chegou a fazer lives com ajuda do espaço, mas se diz feliz em finalmente poder voltar a tocar ao vivo e para um público. “Recebemos a notícia lá em março com pesar, porque sabíamos que duraria mais para nós. O tempo foi passando e as coisas foram apertando. As vidas, claro, são mais importantes do que as finanças. Mas nesse momento que o pico passou ficamos felizes de poder retornar ao trabalho. Sabemos que teremos que ser cautelosos”, explica. A artista revela que também será papel dos músicos alertarem ao público para manter as medidas sanitárias. “A palavra agora é cautela. Aprendemos que temos que usar máscaras, independentemente de retorno da música ou não. Nesse primeiro momento, acho que é nosso papel também de estar sempre lembrando e alertando ao público, porque a gente sabe que o brasileiro gosta de abraçar. Mas acho que esse tempo foi capaz de incutir na cabeça das pessoas essa nova cultura”, afirma.
“Estamos estudando as possibilidades e pretendemos abrir em breve, seguindo uma agenda de shows, mas com capacidade limitada e respeitando todos os protocolos de segurança. Garantindo a segurança do público, dos funcionários e dos artistas. Estamos planejando transmissões híbridas, que acreditamos ser uma das principais possibilidades para o futuro do entretenimento”, ressalta o músico e sócio da Cervejaria Criolina Rodrigo Barata. Ele diz, ainda, que haverá novidades nos canais de comunicação da cervejaria e nas redes sociais.
O Bar do Kareka, localizado em Taguatinga, sempre foi um polo de música. Com a notícia, o proprietário Jaile de Assis Ricardo, o Kareka, explica que o estabelecimento está se organizando para voltar a ter shows ao vivo. “Estava muito difícil para gente e também para os músicos. Parabéns ao governo que viu a dificuldade dessa galera e, pelo menos, está liberando voz, violão e percussão. Já vai ajudar”, comenta. Para ele, o segmento dos artistas que costumam se apresentar no espaço já era difícil antes mesmo da pandemia. “MPB e pop rock já estava meio em baixa. Imagina ficar sem trabalhar por seis meses, sem reservas? Vejo assim, essa volta será com consciência, mas com menos ganho, porque as pessoas ainda estão preocupadas”, analisa.
Também será a partir de quinta-feira que o Primeiro Bar, no Sudoeste, volta a ter música ao vivo. “Desde a reabertura, nos adaptamos a nova realidade e tomamos todas as providências pra manter um funcionamento seguro para clientes e colaboradores e não será diferente com o retorno da música ao vivo! A música sempre foi a alma do Primeiro, fizemos diversas lives transmitidas de um estúdio para nossas telas e o público curtiu bastante, agora com a volta da música ao vivo tenho certeza que será ainda melhor, tomando todas as medidas que forem necessárias e conscientizando o público pra evitar aglomerações. Os músicos de Brasília sempre foram grandes parceiros e amigos da casa e são uma das categorias que mais sofreram com a pandemia”, comenta Walace Santos.
Classe artística
O cantor Paulo Verissimo já se questionava há algum tempo sobre a não liberação da música ao vivo nos espaços. “Se liberaram tudo, por que não liberar a música? Existia uma incoerência nesse sentido. A nossa presença não vai alterar em nada. São sete meses sem trabalho. Entendo quem não quer o afrouxamento e quem pode continuar em quarentena, deve ficar. Mas tem gente que precisa trabalhar. Tenho muitos amigos músicos passando necessidade mesmo”, comenta.
Além da segurança, Verissimo diz que a categoria terá que ficar alerta ainda sobre os cachês. “É preciso estarmos sempre lembrando que a pandemia não acabou. Temos que voltar com a maior prudência possível. Mas chegou o momento de enfrentar. Uma das nossas preocupações agora também é com o cachê que já era defasado antes, para que não fique ainda mais”, acrescenta. Durante a quarentena, ele se apresentou em formatos de live e também de serenatas. Foi a forma que conseguiu de manter uma renda. Agora, já tem programação para os próximos dias.
Mesmo que alguns artistas já participem da retomada, há quem tenha preocupação e prefira permanecer por mais um tempo sem fazer apresentações ao vivo e com público. É o caso da sambista Dhi Ribeiro: “Ainda estou relutante. Há muito ainda para se pensar. Mas, particularmente, acho que é necessário que a cadeia produtiva possa voltar a funcionar. Tudo com o maior cuidado. Respeito a decisão e estou feliz. Só que sou do grupo de risco, asmática, hipertensa, então a minha intenção é fazer shows apenas em formato drive-in e espaços bem reduzidos por enquanto”.
Fechamentos e flexibilizações
Decreto Nº 40509, de 11 de março: Shows e eventos culturais que necessitavam de autorização do poder público e tinham público superior a 100 pessoas foram suspensos. Os bares e restaurantes seguiram abertos, mas com observação na organização das mesas a distância mínima de dois metros entre elas.
Decreto Nº 40510, de 12 de março: Em eventos abertos, ou seja, ao ar livre podiam ser realizados com distância mínima de um metro entre as pessoas, mas seguindo as recomendações do decreto anterior.
Decreto Nº 40.520, de 14 de março: Suspensão de atividades coletivas de cinema e teatro.
Decreto n° 40.539, de 19 de março: Suspensão de atividades de todos os estabelecimentos, exceto serviços considerados essenciais. Cine Drive-in, bares e restaurantes foram fechados.
Decreto Nº 40.851, de 3 de junho: Autorização da realização de atividades coletivas de cinema, teatro e outros eventos culturais em formato drive-in, mas com a comercialização de produtos vedada, e devendo ser observada a distância mínima de dois metros entre cada veículo estacionado.
Decreto Nº 40.939, de 2 de julho: Autorização da reabertura de bares e restaurantes a partir de 15 de julho, mas com restrições, como de capacidade de público, uso obrigatório de máscaras e não promoção de apresentações musicais.
Decreto Nº 40.988, de 13 de julho: Autorização da reabertura de academias, bares e restaurantes instalados dentro de clubes recreativos.
Portaria Nº 578, de 3 de agosto: Regulamentação do funcionamento de serviços de alimentação e nutrição, como restaurantes, bares, feiras, lanchonetes etc.
Decreto Nº 41.170, de 2 de setembro: Autorização da realização de atividades coletivas de cinema e teatro, de qualquer natureza, seguindo protocolos e medidas de segurança gerais pré-estabelecidos.
Decreto Nº 41.190, de 14 de setembro: Autorização de apresentações musicais em bares e restaurantes, seguindo protocolos e medidas de segurança gerais pré-estabelecidos.
*Colaborou Geovana Melo, sob supervisão de Igor Silveira