Documentário

Cineasta lança filme sobre a influência da internet na eleição de 2018

O cineasta e jornalista Marcelo Luna lança, nesta segunda-feira, o documentário 'Fora da bolha' e convida o público ao diálogo e as diversas reflexões a partir da eleição de 2018

“Faz parte e viver num tipo qualquer de 'bolha', contanto que se perceba o quanto e preciso criar conexões para que tudo melhore. Sempre. Bolha sozinha não faz verão”, escreve o jornalista e cineasta pernambucano Marcelo Luna sobre o documentário Fora da bolha. Produzido de maneira independente e colaborativa, com o apoio de amigos, o filme estreia nesta segunda-feira (7/9) na plataforma on-line Vimeo e ficará disponível gratuitamente por 48 horas. A partir do dia 9, será cobrado um valor colaborativo pelo aluguel do filme.

Fora da bolha nasceu concretamente dois dias após o primeiro turno das eleições de 2018. “Quando soube que nada sabia dos subterrâneos das redes sociais brasileiras, principalmente no WhatsApp, e em como era explicita a condição de que também eu, agora surpreendido, vivia numa ‘bolha’. O fato é que quase ninguém previu o que aconteceria, não daquela maneira, nem mesmo os institutos de pesquisa... O resto é historia. E começamos a nos habituar com novos termos: fake news, algoritmos, bots”, relembra.

Questionado sobre o porquê do assunto, Luna pontua questões pessoais, como o interesse jornalístico em tratar o que diz respeito à sociedade, ao mundo no qual a gente vive, bem como de mudanças percebidas em 2018. “A maneira como foi. Era ‘o sentimento do ódio venceu o sentimento do medo’. As coisas estavam muito à flor da pele. Quem estava feliz com a vitória, tinha um sentimento de alegria e ódio. E quem perdeu já havia um sentimento de descrença. Era algo muito forte e interessante. Também houve a quebra de paradigmas. A televisão não era tão importante mais. As campanhas caras, tradicionais, de coligação não tiveram êxito”, explica. O cineasta lembra ainda que, em 1990, na conclusão do curso realizou um documentário intitulado A TV e o voto, sobre as eleições presidenciais no Brasil pós-redemocratização. “Ali a TV era revolucionária. Mudava tudo. Foram para o segundo turno, os dois caras mais incríveis de televisão, que era o Collor e o Lula. Em 2018, isso muda totalmente. O Bolsonaro ganha a eleição em cima da viralização do WhatsApp e das redes sociais que ele vinha construindo desde 2014. Claro, paralelamente ao que estava na mídia. Todas as coisas confluíram”.

Diversidade

Unindo o instinto atento e quase natural de jornalista com o olhar e o recorte do documentarista e uma análise de quem trabalhou com marketing político, Luna começou a reunir o máximo de propaganda política que circulava nas redes sociais. Além de percorrer os próprios perfis, o cineasta e jornalista pediu para pessoas desconhecidas ou não tão próximas, como o porteiro do prédio, a atendente na padaria, o motorista do Uber, a vendedora da loja ou o garçom no bar, para que o enviassem esses conteúdos. E não tinha filtro. Valia contra e a favor dos dois então candidatos, Bolsonaro e Haddad. “Assim, furei minha bolha e construí uma bela amostra do que circulou naqueles breves 20 dias entre os dois turnos. O trabalho seguinte foi conhecer detalhadamente cada mensagem, processar a propaganda e entender o que tinha em mãos”, descreve.

Em fevereiro de 2019, Luna realizou a primeira entrevista da produção — então provisoriamente intitulada de Zap!. O documentário reúne depoimentos de 10 intelectuais, de diferentes áreas e, sobretudo, de diversos sotaques, e compõe um mosaico de conceitos, pontos de vista e pensamentos, ilustrados por memes e mensagens de internet, para abrir um canal de diálogo e de reflexão fora dos binarismos políticos predominantes atualmente. “Estou sob o ombro de gigantes”, descreve o cineasta. “O documentário traz a força dessas pessoas falando. Dá voz a essas pessoas, além do que já tem, e é um olhar, um recorte, uma gota neste oceano”, acrescenta.

A partir das eleições presidenciais de 2018, Fora da bolha apresenta filósofos, antropólogos, psicanalistas, profissionais da comunicação política, consultores políticos de quatro capitais brasileiras — Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Recife. Provocados pelo jornalista e cineasta à frente da produção, Raul Silveira, Marcus Andre Melo, Josias de Paula, Francisco Bosco, João Cezar de Castro Rocha, Débora Abramant, Cila Schulman, Tales Ab’Saber, Eduardo Saphira e Antonio Risério retornam aos acontecimentos de 2013, às eleições de 2014, à Operação Lava Jato, ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e à chegada ao poder de Jair Bolsonaro. “Do mesmo jeito que a polarização só fala de uma coisa, especialista só olha um lado. Eu precisava ouvir vários lados”, conta.

Da mesma forma que Luna criou conexões, reuniu uma consistência intelectual e, sobretudo, um pensamento livre sobre a história do Brasil contemporâneo, ele espera que o documentário cumpra este papel. “Um canal de conexão, de informação, uma contribuição para esse debate todo. É para assistir quem concorda e quem discorda também. O que proponho é contribuir para essa história, enriquecer o debate, colocando outros pontos de vista, outros conceitos, e contribuir com a ideia de informação. É preciso fazer as coisas, participar dessa conversa. Se continuar desse jeito, o caminho não é bom”, pontua.

Além da estreia da produção, o cineasta e jornalista preparou três web-debates que serão transmitidos ao vivo e também ficarão disponíveis no canal do YouTube do Fora da bolha. “É um documentário e um canal de referência com essa liberdade”, descreve sobre a ideia. Nesta segunda, às 19h, ele reúne o professor de literatura João Cezar de Castro Rocha e o psicanalista Tales Ab’Saber para falar sobre como se formam mitos e monstros. No dia 11, o segundo debate é com o escritor e antropólogo Antonio Risério e o economista Eduardo Giannetti sobre a formação da nação. Por fim, no dia 15, a consultora política Cila Schulman e o cientista político Marcus Andre Melo responde à pergunta de Luna: quem somos nós?

Para o jornalista e cineasta, quando se quer sair de uma ‘bolha’ o caminho foi fazer o documentário. Contudo, com a produção, ele abre possibilidades para quem busca consciência, para quem busca estudar, conversar, ouvir; escutar melhor e respirar ar livre, “para alem das ideias fixas de redes sociais e do trivial da mídia”.

 
 
 
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Quatro perguntas para//Marcelo Luna

Existe alguma diferença ente o olhar do documentarista e o olhar do profissional do marketing político? Isso te influenciou de alguma forma?

No marketing político, quem trabalhou comigo sabe que sempre procurei trazer as coisas mais reais, do chão, das verdades, mesmo fazendo marketing. Acho que os dois se encontram no conteúdo, no que me forma, na minha formação em relação as coisas. É um olhar como documentarista de analisar essa situação, ouvir as pessoas e contar a história, mas por meio da minha experiência do marketing político. É ela que tem possibilitado ir além da interpretação do documentarista, perceber os detalhes, as sutilezas.

A escolha de lançar o documentário no 7 de setembro foi proposital?

Sim e tem relação com o nacionalismo, a nação. O verde e o amarelo são de todo mundo. As pessoas deixaram de torcer pelo Brasil, de usar a camisa verde e amarela. Que mundo estou criando? Que país é esse? Parece que se está buscando a destruição para poder construir e isso cai no mesmo discurso do Bolsonaro. Não acredito nisso. A gente já fez muita coisa. Somos todos brasileiros e podemos discordar e concordar. Esse também é nosso país e ele é muito maior que a maluquice toda que se coloca em evidência.

O documentário dialoga com o momento que vivemos hoje e com a pandemia do novo coronavírus?

A pandemia é algo externo. O Brasil faz parte do contexto, mas o vírus não partiu de nós. Claro que depende de cada governo e de cada pessoa reagir. Mas acho que conversam pela necessidade de você se conscientizar das coisas. A pandemia, de certa forma, é um freio de arrumação de uma sociedade, de um planeta. Em um documentário com esse contexto, tratando politicamente, é uma forma de contribuir para um freio de arrumação política. Também, pela primeira vez, não existe cinema para estreiar o filme, e, apesar de achar lindo e reconhecer a importância, não estou preocupado. O mais importante é as pessoas assistirem e a pandemia possibilita, mais tranquilamente, cada um ver em casa. O filme foi feito de forma independente, livre e colaborativa, e a exibição será assim. Além disso, acho que as pessoas passaram a ouvir mais. A hora que você fica no silencio, você começa a se ouvir. Esse não encontro faz com que você consiga perceber certas coisas, refletir mais, estudar mais. Então, acho que ajuda nesse sentido por isso.

Saímos das eleições para quase dois anos de governo, como você avalia esse período e o que espera dos próximos dois?

É lamentável. O governo vive de tragédias, de dramas, alimentando o ódio o tempo inteiro, perseguindo as pessoas. Não vejo nada de busca, de entendimento, de apaziguamento. O mau vencedor é muito ruim, não respeita das pessoas. Mas o mundo dá voltas, temos que prestar atenção em tudo. Espero que as coisas se resolvam, que tomem rumos não só na questão do desenvolvimento econômico, mas que haja mais respeito, também por parte da oposição e da sociedade, que o governo possa ser mais sensato e honre o fato de estar no poder. Hoje, temos o caso do Rio de Janeiro, cidade que elegeu um governador com um discurso de direita e hoje é acusado de corrupção, um governador que conseguiu unir PSL e PSOL contra ele.

Serviço

Fora da bolha
Estreia nesta segunda-feira, 7 de setembro, na plataforma on-line Vimeo e ficará disponível por 48 horas, gratuitamente. A partir do dia 9, ele poderá ser alugado.

Para os web-debates: confira o canal no YouTube do Fora da Bolha Doc. Acompanhe as redes sociais: @foradabolhadoc.