PIANISTA

Lang Lang conclui Variações de Bach após 27 anos de trabalho

Lang Lang já tocava as 30 Variações "aos 10 anos" e as sabia de cor sete anos depois. "Memorizá-las não foi tão difícil, porque comecei cedo", explica

Após quase três décadas de esforços, Lang Lang, o astro mundial do piano, lançou na sexta-feira (4/9) sua versão das Variações Goldberg, uma "composição maravilhosa" para "remediar" a insanidade da era covid-19.

Ao teclado desde os 3 anos, o mais famoso dos músicos chineses conta, em entrevista à AFP, a sua vida como concertista - privado dos palcos por causa da pandemia - e promete que os seus filhos farão o que quiserem... contanto que aprendam a tocar piano.

Para enfrentar o monumento representado pelas "Variações", uma das peças mais difíceis do repertório por sua grande variedade de estilos, Lang Lang aproveitou seu passado de criança prodígio.

"Toquei muito Bach quando era pequeno", lembra, apoiado em um Steinway em um grande hotel em Pequim.

Lang Lang já tocava as 30 Variações "aos 10 anos" e as sabia de cor sete anos depois. "Memorizá-las não foi tão difícil, porque comecei cedo", explica.

"Morto de medo"

Mas daí a ousar gravá-las...

"Levei 27 anos para estar preparado", diz, rindo. "Nunca trabalhei em uma peça por tanto tempo".

E é que técnica é uma coisa, mas apropriar-se da música, torná-la sua, é outra.

"Esperei anos para conhecer melhor a peça. Quando comecei a gravá-la, morria de medo e gravava outra coisa", conta.

"Se eu não sinto que uma obra se torna parte de mim, se eu não a entendo completamente, não me sinto confortável em gravá-la".

O álbum, distribuído pela Deutsche Grammophon, consiste em duas partes. Uma versão de estúdio e uma versão de concerto, gravada em março na Igreja de St. Thomas em Leipzig, feudo de Johann Sebastian Bach, onde o compositor alemão está sepultado. Duração recorde do concerto (tocado sem partira, é claro): 95 minutos.

"Poder de cura"

O pianista, nascido em Shenyang (nordeste) em 1982, fez seu nome com os grandes compositores românticos. Mas, para ele, Bach (1685-1750) é o mais adequado para o nosso tempo, abalado pela epidemia do coronavírus.

"A música é um bom remédio nestes tempos particulares. Bach, comparado a outros grandes compositores, tem um poder de cura ainda maior", destaca.

Durante a pandemia, "voltei a estudar algumas das grandes peças românticas que não tocava há algum tempo: Rachmaninov, Tchaikovsky... Minhas mãos não ficaram geladas", comenta.

Por suas mãos, Lang Lang não confessa o valor do seguro. "É ridículo, muito caro", admite.

"O que mais sinto falta são os palcos", assegura o artista, que fazia pelo menos 90 shows por ano em todo o mundo. Neste 2020, teve que cancelar mais de 70 apresentações.

"Espero a vacina, para tomar e viajar", diz impaciente.

Chopin em Paris 

O menino que ensaiava entre seis e dez horas por dia, hoje não toca piano por mais de duas horas, e o divide com sua esposa, a pianista alemã Gina Redlinger.

O casal celebrou seu casamento no ano passado no Palácio de Versalhes e comprou uma casa em Paris.

"Amo essa cidade. Pode não ser a mais importante para a música clássica, ao lado de Berlim ou Viena, mas Paris tem um sentido artístico maior", afirma.

"Um dia, estava tocando Chopin olhando para sua casa na Place de Vendôme e disse a mim mesmo: 'é aqui que ele compôs algumas músicas, é o mesmo ambiente, a mesma lua...'", conta.

"Trabalhar duro"

Lang Lang, como milhões de crianças chinesas, foi pressionado pelos pais para se tornar um ás do piano.

Agora, promete não repetir a experiência com os filhos. Embora possa acabar fazendo isso...

"Se ele ou ela quiser ser pianista, vai ter que trabalhar duro. Não sei se vou forçá-lo a fazer isso ou não. Não quero briga", diz.

Mas fora de cogitação que toquem outro instrumento.

"Eu também gosto de violino, mas o piano é o melhor que há: é mais fácil começar... e aí fica muito difícil".

Mas, apesar do suor derramado no teclado, "realizei meu sonho, não me arrependo", defende Lang Lang.

Comparado a atletas de alto nível, o artista diz que tem sorte de ainda estar longe da aposentadoria: "quando vejo Pollini ou Barenboim, que continuam tocando... sou só um bebê!"