“Os assuntos que eu mais gosto de falar são tabus em geral. Acho que é aí que mora o humor mais interessante. Nesse momento, sobretudo, é redentor falar sobre esses assuntos. Estamos nesse momento em que se aproxima do obscurantismo tremendo, dessa teocracia ou crise democrática, chame como quiser. Mais do que nunca é importante rir desses assuntos proibidos”. É assim que o ator e apresentador Gregório Duvivier explica a escolha que fez, anos atrás, de se dedicar ao humor político. Ele faz isso nas colunas do jornal Folha de São Paulo e de forma mais abrangente no programa Greg news, que, neste ano, chegou à quarta temporada no ar na HBO.
Inspirado no talk show norte-americano Last week tonight with John Oliver, Greg news traz Duvivier abordando os temas sociopolíticos atuais do Brasil e do mundo em um formato que une comédia e análise. Neste ano, por conta da pandemia, o programa, que surgiu em 2017 no canal, perdeu a plateia e o cenário oficial e passou a ser gravado na casa da mãe de Duvivier, onde ele está instalado desde o início da quarentena. Outra mudança é o que a atração ganhou um aspecto mais intimista e até sentimental. “Tenho a impressão de que a gente está cada vez mais entendendo o programa como um lugar de se fazer humor, mas também de abrir o coração, de compartilhar sentimentos. A HBO dá para gente essa liberdade de ser engraçado e falar sério, mas ainda de ter uma terceira, quarta e quinta opção, de abrir o coração e contar uma história, por exemplo. A gente está vendo que esse espaço pode encaixar outros gêneros: o drama, a poesia, sem nunca sair dos fatos e da observação do país, que é a nossa carta de intenções do programa”.
O Greg news era um desejo antigo de Duvivier, assim como da HBO. Sem querer, a equipe dele e a do canal acabaram marcando uma reunião para conversar sobre o mesmo tema: o nascimento de um programa sobre humor político. “O Beto (Roberto Rios, vice-presidente corporativo de Produções Originais da HBO Latin America) já tinha essa vontade, porque já se fazia nos Estados Unidos e no México. Eles pensaram: quem faz humor político no Brasil? Foi um match total”, lembra. Duvivier conta que a ideia dele veio em conjunto com a diretora do programa, que ele diz ser também a alma da atração, Alessandra Orofino. “Sempre tive esse sonho de fazer humor político. A Alessandra sempre diz que o humor é o novo rock, que está pautando as pessoas politicamente. O rock foi ficando conservador e o humor foi tomando esse local de porta-voz do progressismo. Lá atrás a entrada dos jovens na política se deu pelo rock. Hoje em dia, se dá pelo humor”, completa.
Politização
Chegar à quarta temporada era inimaginável para o apresentador. O motivo era exatamente o tema. Por mais que Duvivier acreditasse na importância do debate político, ele não tinha certeza se o público abraçaria o projeto, como aconteceu. O programa está há quatro temporadas no ar, com episódios semanais às sextas às 23h, e também com parte da atração sendo disponibilizada no canal do YouTube da emissora. “Eu não imaginava que ia durar tanto tempo, nem que fosse tomar essa proporção. A gente tem temas muito específicos e não exatamente populares, convidativos. A gente fala de imposto progressivo, sistema prisional. Não dá para dizer que é feito o futebol no Brasil. Não é exatamente a paixão do brasileiro ou uma coisa que, em geral, daria clique no YouTube. Mas acho que calhou do programa vir, não só para preencher uma demanda do público de entender mais as discussões políticas, mas também no momento em que o país foi se politizando”, explica.
E ainda completa: “Acho que a geração nova, essa pós-millennials, é ainda mais politizada do que a minha que cresceu nos anos 1990 e 2000, numa época em que Francis Fukuyama chamou de “fim da história”, que parecia que não tinha mais conflitos. Parecia que o mundo estava indo francamente em direção ao progresso e existia um consenso mundial em torno da democracia liberal. Quem contestasse isso era um terraplanista. Mas você vê hoje e há alguns anos, mais ou menos por ali em 2015, uma contestação das democracias liberais no mundo. A democracia se não foi morrendo, foi adoecendo no mundo. Então acho que calhou também essa necessidade de politização. Acaba sendo uma contingência você se politizar hoje, deixa de ser um interesse automotivado”.
Essa necessidade de politização é vista por Gregório Duvivier como positiva. “A realidade te obriga a se politizar, e não acho que seja ruim não. É importante mesmo que a gente esteja alerta. Esse tal “fim da história” dos anos 1990 e 2000 era uma falácia, porque tinha uma desigualdade brutal, mas a gente vivia numa aparente paz social, que era obviamente falsa. Hoje está mais claro os abismos em que vivemos. E acho que isso é positivo”, avalia.
Até por isso, o comediante diz que o objetivo do humor em Greg news é privilegiar os alvos poderosos. Ele cita Millôr Fernandes para explicar a escolha editorial do programa. “Millôr Fernandes tinha uma frase: “quem se curva aos opressores, mostra a bunda aos oprimidos”. Acho que essa é uma imagem que traduz bem a nossa linha editorial. O humor que a gente acredita ele é direcionado a pessoas que estão armadas — vamos dizer assim — para nos responder”, explica.
Pandemia
A quarta temporada de Greg news estreou em 27 de março (ainda faltam 12 episódios inéditos irem ao ar). Semanas após a divulgação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que o mundo vivia uma pandemia. A temporada teve que sofrer mudanças. O grande teatro, que seria o cenário da sequência, foi descartado, mas a ideia de manter o programa não. “Pensei que íamos ter que cancelar, porque cancelaram tudo, todos os programas a minha volta. Mas o Greg news resistiu bravamente. A gente falou que tinha que fazer, exatamente porque todo mundo ia estar em casa. A gente precisava disso até para a nossa sanidade mental. O Greg news acaba nos ajudando a processar a realidade”, comenta.
Assim, da casa da mãe, Gregório montou um estúdio, que tem como fundo uma estante recheada de livros e com a irmã como ajudante e a matriarca como plateia. “Por sorte, estou confinado com a minha irmã, que é fotógrafa. Mas ela é dessa geração digital, então ela é fotógrafa, mas capta som que é uma beleza, ainda editaria se fosse preciso, porque é editora de imagem e designer. Ela é uma pessoa realmente multifunções. Praticamente tenho um set inteiro numa pessoa”, conta. E emenda: “E ainda tem a minha mãe, que é uma plateia sensacional. Até estava falando isso na minha análise, que eu voltei para a infância, daquela coisa de fazer a mãe rir. O humorista se profissionaliza, mas na pandemia volta para os primórdios da profissão, quando você começa tentando fazer a mãe rir”, diz, com carinho.
Também é de forma sentimental que Duvivier lembra que o programa completa, neste ano, 100 episódios. Um marco que ele definitivamente não esperava, mas que comemorará com um episódio especial. “O último episódio do ano é sempre especial. Mas desse ano tenho que certeza que será mais. Acho que todos nós já nos consideramos sobreviventes. Tiveram muitas quarentenas nessa quarentena. Todo mundo, em algum momento, surtou, inclusive eu, por motivos diversos e pelo menos uma vez. Tudo isso no Zoom (plataforma de videoconferência), sem chance de dar um abraço no outro. Então, ao fim da temporada, e nem estamos nela, mas eu fico até emocionado de falar isso pra você, será um chororô danado. Parece que a gente atravessou um deserto juntos, não só a gente que faz um programa de televisão. Cada um está atravessando seu próprio deserto”, completa.