Diante do distanciamento e do isolamento social impostos pelas medidas sanitárias, a cultura, em todas as linguagens, buscou formas de se manter viva e ativa. Despontaram as lives, agora os drive-ins e, aos poucos, reinvenções aparecem como respostas à urgência e à criatividade. Na dança, arte do movimento corporal e do encontro, não poderia ser diferente.
Com 30 anos de trajetória, a Anti Status Quo Companhia de Dança desenvolveu uma relação com o virtual e com a bidimensionalidade da tela que também dialoga com a pesquisa do grupo. A imersão no universo das videoconferências trouxe o espaço que a companhia procurava para desenvolver os novos trabalhos. Que corpo é esse que está diante da tela? A interação dos nove bailarinos, cada um em microtelas, em suas casas, tendo à disposição recursos do aplicativo, objetos do dia a dia, revistas e jornais e, principalmente, o corpo resultou no espetáculo JUNTOSeSEPARADOS. “Uma performance em videoconferência tendo a tela como espaço”, define Luciana Lara, diretora e coreógrafa da companhia. “Uma crônica do momento, de como o corpo reage a esse corpo dentro de casa, esse sensório, o psicológico do corpo lidando com essa realidade”, complementa.
A companhia faz a transmissão ao vivo na tentativa de preservar a magia do risco de uma apresentação presencial. “Também para se distinguir da videodança e do cinema, que são trabalhos com pós-produção. É um improviso bastante estudado e um conceito de dança expandido, híbrido e transdisciplinar, tendo, como ponto de partida, o corpo”, afirma a diretora. No fim de outubro, o grupo fará uma nova apresentação do espetáculo como parte de um festival on-line de Porto Alegre, mas planeja também criar uma espécie de miniteatro dentro do Zoom.
Corpo ágil
Em parceria com o coreógrafo, bailarino e dramaturgo paulista César Dias, a Foco Cia de Dança está adaptando o lançamento de um espetáculo que seria presencial. Mamadook será apresentado ainda este ano em um drive-in. Contudo, a cofundadora da companhia e produtora cultural Naedly Franco explica que a produção será como um filme. Por enquanto os encontros estão sendo on-line, para passar a coreografia, entender a linguagem de Dias e resgatar o fôlego dos bailarinos. “Muitos estavam com o movimento diminuído, estão retomando o corpo ágil, limpando os movimentos”, descreve Naedly. Em seguida, o elenco vai se reunir com o coreógrafo paulista para fazer as últimas amarrações e gravar a apresentação em um galpão amplo com iluminação adequada.
“Tudo é muito novo para a gente. Como produtora, nunca fiz nada com relação a drive-in, nunca fizemos um filme para apresentar um espetáculo, mas é um desafio que decidimos enfrentar para ter um espetáculo de dança contemporâneo e poder dar esse suporte para quem trabalha com a gente além de levar arte e cultura ao público”. A produtora ainda não sabe ao certo se serão necessários rearranjos de coreografia ou marcação. No entanto, assegura que o figurino será repensado com o uso de uma máscara de proteção que também converse com o espetáculo, além da contratação de profissionais do audiovisual para trabalhar com a filmagem e a edição do material. “Acredito que a pandemia veio para ressignificar muita coisa não só na arte e na dança”, finaliza.
Pensar a dança
À frente da direção e da curadoria do Movimento Internacional de Dança (MID), Sergio Bacelar precisou “desproduzir” o evento conforme tinha planejado e reorganizar a programação a partir de uma provocação do Centro Cultural Banco do Brasil. Com uma programação reduzida, uma amostra do festival ocorreu este ano no esquema drive-in para o público e presencial para os artistas no CCBB. Ao todo, foram apresentados novo espetáculos, incluindo as batalhas de break. Mesmo as coreografias que já existiam, precisaram de alterações para respeitar o distanciamento entre os bailarinos. Os ensaios aconteceram de maneira virtual ou em áreas abertas com todos os integrantes dos grupos de máscara. “É importante a gente se adequar, com as devidas responsabilidades, com os devidos cuidados, e pensar esse novo formato. Existe uma necessidade de flexibilizar para a gente continuar existindo. Nunca imaginei o MID em um drive-in. É um exercício de continuar existindo com leveza e com alegria, apesar desse momento pandêmico”, resume o curador.
Apesar da adaptação, para Bacelar, a resposta para este momento do fazer artístico veio ao final do MID, com o depoimento dos participantes. “A reinvenção passa também por uma retomada não necessariamente presencial, mas sim na criação desse estímulo para voltar a pensar a dança seja ela qual forma for. Esse retorno deles foi o que mais me tocou”, conta o curador e diretor. Como elaborador de projetos, são essas possibilidades que o estimulam. “Aquilo no CCBB foi o lançamento do MID. Ainda tem muitas ações para acontecer. Estamos pensando em transmissão de espetáculos internacionais ao vivo e on-line, em programação de aulas para crianças também de maneira virtual. Vamos trabalhando entendendo o tempo e as motivações do público”, adianta.
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