Até os anos 1990, os grandes humoristas surgiam nos meios tradicionais. Foi assim que o Brasil riu com Chico Anysio, Renato Aragão, Jô Soares, Grande Otelo e tantos outros. Nos últimos anos, esse processo mudou. A comédia se renovou a ascensão do stand-up e pela internet, graças a facilidade e a liberdade que o meio proporciona. Foi da web que ascenderam o Porta dos Fundos — que colocou Fábio Porchat e Gregório Duvivier na televisão — e o Choque de Cultura. Mesmo cenário que tornou o youtuber Whindersson Nunes num sucesso.
Mais uma vez, a web faz o papel de renovação do humor. O já consagrado Marcelo Adnet usou a plataforma para fazer o Sinta-se em casa, que mistura humor e política. Mas, além de reafirmar o talento de Adnet, a internet colocou em 2020 holofotes em novos nomes. Alguns já estavam na estrada há anos. Outros apareceram de forma despretensiosa. Essa nova geração do humor tem em comum, não apenas o meio, mas o fato de trazerem um refresco ao gênero, com novos olhares. O Correio conta a seguir a história desse novos nomes que dominam as redes sociais.
Ademaravilha (@ademaravilha)
A pernambucana Ademara Barros sempre estudou teatro paralelamente a carreira de jornalista. Mas foi na pandemia que decidiu investir no lado atriz. Incentivada por amigos, gravou um vídeo imitando um meme. O conteúdo viralizou. Depois, aproveitou uma onda de regionalidades para gravar o vocabulário pernambucano.
De novo, o material fez sucesso. A partir daí, Ademara, a Ademaravilha, percebeu que poderia investir. “Comecei a fazer humor com algumas vivências que eu tinha num texto de stand-up meu, que eu não consegui fazer. Peguei esse texto e passei a explorar personagens para que causassem identificação com um grupo mais extenso”, lembra. Assim surgiu a Intercambista de Dublin, que ironiza pessoas que vivem em outros países e voltam ao Brasil até esquecendo a língua mãe. “Teve uma viralização diferente. Foi maior do que os anteriores e mais plural. Entendi que podia fazer outros personagens”, revela.
Ademara trouxe, então, o Esquerdomacho, que faz referência aos homens que se dizem feministas, mas, no fundo, ainda são machistas; e a Repórter Sudestina, em que faz uma homogenização do Sudeste, como costuma ser feito com o Nordeste. “Faço vídeo para causar algum tipo de reflexão que seja positiva nas pessoas. Procuro, na maioria das vezes, que o alvo da minha ironia e construção seja uma situação que mereça ser questionada. Tudo ali é muito próximo do meu cotidiano. Faz um ano que moro no Rio de Janeiro e diversas frases daquele texto (da Repórter Sudestina) na realidade aconteceram, foram direcionadas a mim”, explica.
Ademaravilha publica os vídeos no TikTok, Instagram e Twitter. “Na internet encontrei uma oportunidade de mais mulheres verem o que eu faço, se identificarem e darem força ao meu trabalho”, diz. O sucesso foi tanto que incomodou. Ela chegou a ter as contas hackeadas, que foram recuperadas após campanha nas web. Recentemente, ela fechou uma parceria com a Play9, um estúdio de criação no RJ. “Eles vão ajudar a potencializar o que eu tenho a produzir. Reverberar essa mensagem que proponho”, revela.
Pequena Lô (@_pequenalo)
O território da web não era novo para Lorrane Silva. Em 2015, ela se aventurou no YouTube, onde compartilhava vivências e o preconceito sofrido por ser uma pessoa com deficiência. Na pandemia de covid-19, entrou no TikTok, fez alguns vídeos e descobriu que os áudios viralizaram. Outros usuários a estavam dublando. “Foi crescendo e vi que tinha que continuar. As pessoas queriam dar uma desintoxicada das notícias ruins e procuravam vídeos engraçados. Decide me dedicar mais”, explica.
O humor de Lorrane vem do detalhe. Ela sempre foi uma observadora do que acontecia ao redor dela. Nos vídeos, a Pequena Lô, como é chamada nas redes, brinca com situações cotidianas, como a empolgação de uma menina ao repetir várias vezes o apelido “amor” numa ligação com o primeiro namorado, até aquele momento de desespero em que você está na fila do supermercado vigiando o carrinho enquanto outra pessoa vai buscar mais uma compra e chega a sua vez.
Para ela, a internet a deu um espaço que ela não teria nos meios tradicionais. “Se não tivesse a internet, não seria fácil eu conseguir qualquer oportunidade igual está me aparecendo agora. Me ajudou e me fez dar representatividade a pessoa com deficiência. Estou levando humor, ao mesmo tempo que estou fazendo as pessoas mudarem de opiniões sobre as visões delas sobre os PCDs. Elas acham que a gente não consegue fazer as coisas, correr atrás dos objetivos, que somos incapazes. Mas eu levo essa mensagem que mesmo com a minha muleta consigo dançar, fazer humor, ser feliz”, acrescenta. Agora, Lorrane diz que pretende seguir a carreira de atriz e fazer um espetáculo de stand-up.
João Seu Pimenta (@joaoseupimenta)
São mais de 15 trabalhando no humor na cena de stand-up da Bahia. Só de internet, tem 10. João Pimenta criou o personagem Pé de Pranta desmistificando o estereotipo do favelado. Depois começou a fazer redublagens de Game of thrones. Ambos, o deram destaque na web. Mas um novo momento aconteceu na quarentena quando criou o quadro Larica do ódio, em que ensina o passo a passo de receitas com humor e uma mensagem por trás: a de que os homens precisam criar consciência que as tarefas de casa não são exclusivas das mulheres.
“Quando eu entrei na arte, sendo negro, de favela, eu queria criar um tipo de humor que passasse a colocar algo na cabeça das pessoas. Todos os meus trampos são nessa pegada. O Pé de Pranta era muito dessa questão enraizada do negro estereotipado. Depois, do público geek, nerd e gamer que tem dificuldade de aceitação em várias questões, sempre fazendo piadas racistas e machistas. Agora mesmo saindo desse ramo ainda é sobre isso. Falo sobre homens que não fazem nada em casa, não dividem as tarefas e cobram coisas, por conta do machismo em cima de esposa, filha, mãe. Muita gente pega a mensagem. É bom que pegue, porque mostra que está fazendo efeito”, diz João Pimenta.
Ele conta que tem sido interessante ver esse momento de transição no humor. “Durante muito tempo, a comédia foi feita em cima do estereotipo de negro, gordo, gay mulher. Uma coisa extremamente bizarra. Agora, desde 2018 pra cá, tanto a televisão quanto as marcas começaram a se apropriar das bandeiras sociais”, avalia. Pimenta comenta que acredita que essa “nova cara” do humor ainda vai prosperar: “Tem uma galera que vai ser bem importante daqui pra frente. O país, apesar de bastante intolerante, tem muitos movimentos de bolhas que estão fazendo a galera criar uma consciência social de que a dor do outro é um problema social, não uma piada.”
Bruna Braga (@brunabragaxx)
É dando uma de conselheira nas redes sociais que a humorista Bruna Braga conquista os seguidores. Com seu jeito engraçado e desbocado, ela responde a questionamentos enviados pelo público. No perfil, há ainda vídeos de espetáculos de stand-up e alguns criados especialmente para a web, como um dos que viralizou, em que ironiza as personalidades da internet que fazem vídeos de pedido de desculpas após serem “cancelados” na plataforma.
Diferentemente de grande parte da nova geração, Bruna acabou fazendo o caminho inverso. Começou nos palcos, ganhou uma oportunidade na tevê fechada até que foi para a internet. “Comecei mesmo na cena underground, fazia show em bares e teatro pequenos. Depois montei minha própria noite de comédia e fiz minha estreia na tevê. Acho que a tevê deu a credibilidade para que a internet quisesse me conhecer”, comenta.
O humor de Bruna vem dos assuntos cotidianos a ela. “Gosto muito de falar de vida pessoal, das minhas coisas. Quando falo de racismo, não estou falando com o conhecimento de historiadora, mas daquela pessoa que viveu. Gosto de falar da minha vida para que as pessoas se identifiquem, reflitam e deem risada”, define. Com a pandemia, ela passou a se dedicar mais as redes. “Estou apostando mais, estudando mais e entendendo melhor”, completa.
Ainda neste ano, Bruna volta com nova temporada de stand-up ao Comedy Central com auxílio de um plateia virtual. No tema: racismo. Ela também está num projeto com Felipe Neto, que reúne comunicadores negros para produzirem conteúdo dentro do canal dele, e em outro, já no ar, com Emicida, #VaiSerRimando.
Yuri Marçal (@oyurimarçal)
Em 2013, Yuri Marçal fez um curso completamente voltado para a comédia e passou a se apresentar. Na época, fez um “barulho”, como ele define, no cenário. Abriu shows de Whindersson Nunes e rodou com o próprio. Como aconteceu com muitos outros humoristas, viu o consumo dos conteúdos na internet turbinarem na quarentena. “É uma crescente. No ano passado já estava tendo um alcance bem grande, por conta do show. Esse ano, na pandemia, com a galera buscando muito pelo entretenimento e ficando mais em casa, meu trabalho teve mais divulgação e foi chegando a mais pessoas”, constata.
Também foi no período que Yuri aumentou a quantidade de conteúdos e muitos viralizaram. Nos vídeos, o humorista traz o ponto de vista da questão racial. “Faço piada com certos tipos de comportamentos racistas, também falo da questão da religião, por ser um cara do candomblé, o que é pouquíssimo tratado na comédia”, comenta. “A internet chega mais perto de dar uma democratizada, porque dá espaço a todo mundo. Mas os algoritmos também são racistas. Muita gente boa deveria ter mais alcance. Ainda assim é muito bom, porque ajuda muita gente a ser reconhecida”, aponta.
Ainda na pandemia aproveitou para investir num outro trabalho ao lado da atriz Jeniffer Dias, com quem namora, uma série, que deve ser lançada este ano, sobre um casal que termina, mas se vê obrigado a passar o isolamento social junto. Além disso, o humorista tem criado novas piadas nas madrugadas, que devem entrar para no show de stand-up que pretende retomar no pós-pandemia.
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