Tom Holland, o Homem-Aranha no universo cinematográfico da Marvel, e Robert Pattinson, famoso pela saga Crepúsculo e dono do papel principal no aguardado The Batman, são duas das figuras mais populares da nova geração de astros de Hollywood.
Em O diabo de cada dia, que estreia na Netflix nesta quarta-feira (16/9), eles aparecem juntos em uma trama na qual heróis e bons moços não têm vez. Sob direção e roteiro de Antonio Campos, filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes Campos, o filme é uma adaptação do romance O mal nosso de cada dia, de Donald Ray Pollock, lançado em 2011. Morte, violência e fé são os principais ingredientes do roteiro.
Com narração do próprio Pollock, a história se passa em 1965, no interior dos estados de Ohio e Virgínia, nos Estados Unidos. A escolha dos lugarejos é fundamental para ressaltar a dinâmica das conexões sociais entre populações pouco numerosas, nas quais todo mundo se conhece ou tem alguma ligação familiar. Só que aqui isso se dá de maneira trágica.
A figura central é Arvin Russell, personagem de Holland. Ele é um jovem que terminou a educação básica há pouco tempo e tenta se virar enfrentando a falta de perspectivas na região. A narrativa, na verdade, recua até alguns anos antes, quando seu pai (interpretado por Bill Skarsgård), um veterano da Segunda Guerra Mundial, atormentado por uma experiência traumática no campo de batalha, retorna ao país e conhece aquela que seria sua mãe.
Desde esse momento inicial, fé e morte se cruzam sistematicamente, especialmente para o protagonista, que convive duramente com as duas desde cedo.
Rotina
Em 1965, sua rotina se divide entre ajudar a avó a pagar as contas da casa onde vive e proteger a irmã mais nova e de criação Lenora (Eliza Scanlen) do violento bullying dos colegas de escola. Sua família está inserida em um contexto social extremamente religioso no qual aparece o personagem de Pattinson, o Reverendo Preston, um pastor charlatão e pedófilo que assume a igreja local.
Apesar de sua alta dose de perversidade, Preston não é o único vilão da história. Nessa mesma região atua o serial killer Carl Henderson (Jason Clarke), que ataca suas vítimas ao lado da esposa, a prostituta Sandy Henderson (Riley Keough), que, por sua vez, é irmã do xerife Lee Bodecker (Sebastian Stan). O homem da lei, no entanto, é envolvido com gângsteres e pretende se eleger a um cargo político na região.
Com todas esses personagens de alguma forma conectados, a trama mostra o que pode haver de pior nos seres humanos, tanto movidos pela fé quanto pelo ódio e o desejo de vingança. Pattinson, que aparece apenas em um trecho do filme, apesar de sua importância no desenrolar dos acontecimentos, já foi visto em papéis sombrios anteriormente, como em Bom comportamento (2017) e O farol (2019).
Já Holland encontrou em Arvin seu papel mais soturno até aqui. Ele até tenta viver em paz, mas acaba consumido por essa configuração mórbida estabelecida ao seu redor. “Ele é definitivamente o lampejo de luz neste filme, no sentido de que está sempre tentando fazer a coisa certa. Acontece que, neste longa, fazer a coisa certa significa matar alguém”, afirmou o ator de 24 anos ao diário britânico The Guardian.
Holland comentou também sobre sua relação com o diretor, nascido nos EUA, mas de família brasileira. “Tive que confiar muito em Antonio, porque esse não é o tipo de filme que eu costumava fazer no passado.” Ele admitiu que o ineditismo da experiência o deixou “muito nervoso e com medo de ir ao set pela primeira vez”.
Por trás desses sentimentos, havia a insegurança em relação a um papel tão dramático. “Eu não sabia que tinha condições de interpretar esse tipo de personagem. Tive muita sorte de ter o elenco que tive para me apoiar e ter Antonio como diretor e capitão do navio. Tive que ir a lugares mentalmente que eu não sabia que poderia ir ou acho que nunca iria querer ir novamente”, comentou o ator.
Ainda que não seja “uma pessoa ruim”, como diz acreditar em uma das cenas mais importantes, o protagonista, que convive com brutalidades desde a infância, é capaz de matar a sangue-frio e ser extremamente violento para defender sua irmã.
Apesar disso, não se trata de um filme de terror ou de grandes tensões para quem assiste. A exploração da miséria humana ao extremo tem um contorno mais dramático, com trilha sonora alegre e agradável em alguns momentos, o que abriu precedente para uma parcela da crítica internacional avaliar que o filme aborda a violência de maneira problemática.
Tim Grierson, do Screen, escreveu que “o thriller sombrio de Campos para a Netflix é uma cavalgada de mau comportamento disfarçado como comentário sobre masculinidade tóxica e moralidade ‘faça-o-que-deve-ser-feito”.
Já Owen Gleiberman, da Variety, disse que “O diabo de todo dia nos mostra muitos comportamentos ruins, mas o filme não está realmente interessado no que faz os pecadores agirem. E sem aquela curiosidade sinistra, é apenas uma série de aulas da Escola Dominical: um noir que quer limpar a escuridão”.
Gerações
O cineasta, contudo, defende a proposta cinematográfica que começa e termina com algum tipo de referência à participação dos EUA em guerras. Em entrevista à Esquire, Antonio Campos afirmou: “Para mim, é uma história geracional sobre a maneira como passamos tantas coisas aos nossos filhos. Arvin tinha um pai que sofria de PTSD (síndrome de estresse pós-traumático) e nunca foi diagnosticado ou tratado. Então, ele herdou essa relação muito complicada com a religião e dependia da violência para resolver seus problemas”.
O diretor citou ainda que, no desenrolar do filme, “você entende que a personagem Sandy está ligada ao xerife Lee Bodecker e que seu pai os abandonou cedo, deixando-os com uma visão de mundo muito sombria. Lenora é um produto da relação de sua mãe e seu pai com a religião, e por isso é essa ideia de uma história geracional, mas no gênero do gótico sulista e noir”.
Antonio Campos, que anteriormente dirigiu Depois da escola (2008), Simon assassino (2012) e Christine (2016), dividiu a adaptação do roteiro com o irmão Paulo Campos. O filme será exibido com exclusividade no catálogo da Netflix.
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