Com data marcada para a chegada de Eu de você a Brasília, anunciou-se a paralisação dos teatros e casas culturais por causa da pandemia do novo coronavírus. Ainda em clima de estreia, na capital mineira, a atriz Denise Fraga e o diretor Luiz Villaça, marido dela, receberam as más notícias. “Fiquei supertriste quando Eu de você parou, porque estávamos apenas na segunda cidade da turnê. A peça virou, para mim, mais do que uma peça, mas uma experiência humana”, conta Denise. Segundo a atriz, a obra tinha como principal ponto de reflexão, a urgência do exercício de colocar-se no lugar do outro, de alteridade, de empatia. Necessidade que se renovou na atual crise de saúde pública.
Como sugeria a premissa, o roteiro do espetáculo nasceu a partir da seleção de algumas das 300 histórias enviadas pelo público, após o convite feito nas redes sociais.“O ponto de partida da peça será a sua história. Eu quero ‘ficar de você’, eu quero olhar pelo seu olhar, quero calçar os seus sapatos e trilhar o que você trilhou, quero sentir o que você sentiu [...]. Me deixa ser ‘eu de você’ e venha ser ‘você de mim’”, convocou a atriz.
Convite aceito, a proposta foi levada ao teatro. O momento seguinte foi simples: três paredes brancas, uma cadeira e Denise Fraga tecendo as histórias com música e poesia.“Porém, ocorre muita coisa ali, naquele espaço. A Denise se mistura ao público de uma forma muito especial. É uma busca da simplicidade com a certeza de que uma grande atriz e um bom texto são o suficiente para o teatro e para as relações que a peça sugere”, descreve Villaça, que sugeriu a mesma proposta para o trabalho que viria a seguir, a websérie Horas em casa.
Em casa
Impossibilitados de continuar a turnê, a atriz e o cineasta voltaram a São Paulo, mais especificamente à casa de sítio da família para cumprir o isolamento social. Decidiram, então, estender para o ambiente da casa e para a web o que começaram nos palcos. “Pensamos que estava na hora de colocar todas essas pessoas (personagens da vida real) para dentro de casa e fazer um projeto que pudéssemos filmar de uma forma bastante simples. As imagens são feitas por mim, pela Denise e pelo nosso filho Pedro, que está se formando em cinema. A luz é de abajur, ou mesmo luz natural, o figurino é roupa dela. Como direção de arte, damos um jeitinho nos cantos da casa. Sem muita produção, como o momento pede”, explica o diretor.
Em Horas em casa, como na peça, Denise é a única atriz em cena, mas usa da versatilidade para viver múltiplos personagens, que se comunicam, por meio de diferentes telas e por meio de celular, computador, portas e paredes da casa. Além disso, há quebra da quarta parede, que inclui os espectadores como confidentes em uma espécie de diário coletivo da pandemia. “Desde o início do projeto, a ideia é retratar ‘essa pessoa’ que está em casa e passa a experimentar a vivência de outras pessoas. Decidimos por não usar caracterizações porque queremos reforçar a ideia de que, de alguma forma, todos eles somos nós”, esclarece a atriz.
O casal conta que a mistura da ficção, poesia e cotidiano é o formato com que mais gosta de trabalhar. “Eu sempre gostei muito disso, da combinação de documentário com a ficção. Desde a época do quadro Retrato Falado, no Fantástico, e depois no Dias de glória, que se baseava em jornalismo. Me encanta muito ter essa urgência e criar uma ficção que mostra como nós, povo, sofremos as consequências do que acontece no mundo, tanto politicamente, como socialmente”, relata Luiz.
Denise também descreve o que mais gosta em obras que possuem tons de crônica e poesia, especialmente quando se vive em tempos difíceis. “Gostamos de falar com leveza da tragédia cotidiana. A história vem sob a lente do poético. É como eu costumo dizer: 'Quem vive acompanhado da arte tem onde se apegar, porque sofre acompanhado. Sofre com a cumplicidade dos poetas'. Quando você tem aquela música do Chico, o poema do Pessoa, aquele conto da Clarice, o trecho que você leu do Machado. É aquele sentimento que ele sentiu, que eu sinto agora. Então, somos 'parças'. Parceiros na existência. Ele conseguiu escrever uma coisa que agora me dá voz”, reflete a atriz, também sobre o papel da arte e do artista.
Cotidiano
Pautados semanalmente pelos temas que emergem na pandemia, o trio realizador Denise Fraga, Luiz Villaça e Pedro Villaça unem-se aos autores Rafael Gomes, Cassia Conti e Silvia Gomez, e à equipe de pós-produção da Café Royal para viabilizar o projeto. Eles acreditam no potencial de estendê-lo para além da pandemia. “Adoramos o resultado da websérie, e achamos que tem um grande caminho, mesmo após a quarentena. Ela pode continuar como uma grande crônica dos nossos dias, dos nossos sentimentos, angústias, inquietudes, amores, tristezas e alegrias”, analisa o diretor.
O casal também adianta que, assim que os teatros puderem ser ocupados novamente com segurança, Eu de você fará uma visita aos brasilienses. Enquanto isso, o público pode assistir aos 10 episódios disponíveis de Horas em casa, além de acompanhar os novos episódios, lançados aos sábados, pelo canal Eu de você, no YouTube.
*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira