Pós-pandemia

Livro 'O mundo pós-pandemia' reúne ensaios com reflexões sobre o futuro

Em livro, 50 personalidades de diferentes âmbitos, como Marcelo Adnet, Pedro Bial e Mary Del Priore, refletem sobre a influência da covid-19 na sociedade de olho no futuro

Adriana Izel
postado em 30/07/2020 06:00
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

Cravar como será o mundo após a covid-19 é impossível. O próprio surgimento da nova doença mostrou à sociedade a dificuldade em manter certezas inabaláveis. No entanto, é possível olhar para trás — mais especificamente para o histórico de outras pandemias — e até para o presente para projetar o futuro.

É isso que o livro O mundo pós-pandemia: Reflexões sobre uma nova vida, da Editora Nova Fronteira, faz. Com a expertise de 50 personalidades de diferentes âmbitos, a obra traz ensaios que se aprofundam sobre a pandemia e o impacto dela na sociedade e em assuntos específicos, como economia, educação, urbanismo, medicina, esporte, humor, relações internacionais e religião.

“Tudo começou na metade de março quando o mundo estava mais perdido do que está hoje, mais angustiado, porque não conseguia entender e até digerir, era uma situação muito nova. A nossa ideia foi procurar grandes especialistas em vários setores e que têm muita experiência para fazer um estudo do que iria e ainda vai acontecer”, explica José Roberto de Castro Neves, organizador da obra e autor do ensaio Pós-pandemia: A oportunidade de uma nova ordem, que se debruça sobre as perspectivas no mundo do direito.

O livro reúne textos de nomes como do comediante Marcelo Adnet, do técnico Bernardinho, da atriz Fernanda Torres, do político Fernando Henrique Cardoso e do jornalista Pedro Bial. Cada um dos autores reflete sobre a área específica, mas, em geral, todos se voltam para a história para entender como pode ser o futuro, que sofre mudanças. “Obviamente não existe um gabarito do que acontecerá, existem muitas possibilidades. Fala-se muito nas oportunidades, das situações descortinadas. O livro tem esse barato de trazer uma reflexão em textos muito valiosos, que são uma boa fonte de informação para um debate mais inteligente. Alguns são mais otimistas, outros menos. Mas, de forma geral, todos concordam que esse fenômeno será um divisor para muitas coisas na vida das pessoas”, completa Neves.

Texto sobre mortes no livro O mundo pós-pandemia

 

Historiadora Mary Del Priore
Historiadora Mary Del Priore (foto: Mateus Montoni/Divulgação)

À historiadora Mary Del Priore coube um tema muito delicado na pandemia: os ritos de luto. A autora do ensaio A morte e morrer em tempos de epidemia buscou na história a relação da morte com os rituais, que, segundo ela, são alvo de preocupação dos especialistas da área há anos. “Da morte “domada”, que não inspirava medo e convidava o moribundo a se preparar para morrer, à morte erotizada dos românticos, personificada numa bela Dama de Branco que viria buscar o doente, à frieza dos hospitais em cujas UTIs os doentes desaparecem, há uma longa trajetória. Alguns autores dizem que a civilização Ocidental substituiu o tabu do sexo pelo da morte. Quanto maior a liberdade sexual, maior o apego à vida e horror à finitude. Já escrevi muito sobre o tema que é apaixonante e atual, pois nos países civilizados, a “morte assistida” é, atualmente, um tema de primeira ordem”, explica.

No ensaio, Mary busca a delicadeza para tratar um tema tão latente e tocante no Brasil e no mundo, onde o número de mortos de covid-19 continuam a crescer. “A sociedade brasileira é complexa e o Brasil, um arquipélago. Estamos vivendo de forma diferenciada a conscientização da epidemia e suas consequências. O governo, por exemplo, parece ignorá-la apesar das milhares de mortes. Mortes terríveis: por sufocamento, por asfixia. A rapidez com que os mortos partem enrolados em plástico e enterrados em fileiras como nos cemitérios militares da II Guerra Mundial revelam que o velho ritual de despedidas não pode ser cumprido. Os velórios são higiênicos, mal há tempo para chorar. Portanto, nos despedimos dos entes queridos em silêncio. O consolo é saber que eles só morrem se deixarmos de amá-los. A despedida mudou, mas, os sentimentos não”, analisa.

Em 416 páginas, O mundo pós-pandemia traz e incita reflexões sobre o que muda, ou, ao menos, deveria se transformar após a influência de mais uma pandemia assolou a humanidade.

Duas perguntas // Mary Del Priore, uma das ensaístas de O mundo pós-pandemia

Como você vislumbra esse mundo pós-pandemia e o que a história pode nos mostrar desse futuro que ainda não conhecemos?
A pandemia revela apenas que outras virão. Não teremos mais guerras atômicas, mas, biológicas. Vírus sofrem mutações e a crise climática e o fim da biodiversidade só agravam o quadro. Nunca estaremos suficientemente preparados para eles, pois o Brasil tem um atraso de séculos na formação de médicos e na construção de hospitais. Sofremos com epidemias de febre amarela, cólera e varíola desde que os portugueses pisaram em nossas praias até hoje. O Instituto Oswaldo Cruz assim como o SUS, que devemos ao governo Sarney, são um milagre. Se parte da população seguir ignorando a ciência, e as autoridades seguirem ignorando as suas responsabilidades o número de mortes e, consequentemente, o impacto nos rituais de despedida contarão outra história no futuro.

Como tem sido esse período de quarentena e tem trabalhado em outras obras?
Sou uma apaixonada por história e passo meu tempo a dar aulas, lives e a escrever livros. No segundo semestre lançarei um livro sobre a violência, mas, também, a resiliência da mulher brasileira. Chega de coitadismos. Sempre fomos guerreiras! E para o Centenário de 2022 já tenho uma surpresa pronta: mas, é surpresa!

SERVIÇO
O mundo pós-pandemia
Vários autores. Organizado por José Roberto Castro Neves. Editora Nova Fronteira, 416 páginas. Preço médio: R$ 34,99 (e-book) e R$ 49,90.

Coleções on-line da pandemia

The Decameron Project: Original do New York Times, o projeto reúne 29 contos sobre a atual situação do planeta. A obra se inspira em Decamerão, de Giovanni Boccaccio, para abordar medo, humor e perda em meio à pandemia. Nomes como Mia Couto e Margaret Atwood integram a coletânea. Disponível em https://www.nytimes.com/interactive/2020/07/07/magazine/decameron-project-short-story-collection.html.

Pandemia crítica: Hospedado no site N-1 Edições, o projeto apresenta textos que têm em comum a crise da covid-19, sob diferentes perspectivas. O material se destrincha em contos, poemas e ensaios. Ao todo são mais de 90 textos publicados em https://n-1edicoes.org/textos-1.

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