Um dos maiores especialistas em direito do consumidor do Brasil, o desembargador Leonardo Roscoe Bessa, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), lança hoje sua mais nova obra: Código de Defesa do Consumidor Comentado - 2025. O livro, na sua terceira edição, reúne textos atualizados de quem tem um olhar aguçado para as tendências, mudanças de interpretações e novas demandas. São comentários artigo por artigo, com inclusão de jurisprudência consolidada nos tribunais superiores, que representam uma importante fonte de estudo e consulta para quem trabalha com o tema.
Ex-procurador-geral de Justiça do DF e promotor na área do direito do consumidor por 20 anos, Leonardo Bessa vestiu a toga de desembargador há quase quatro anos. No TJDFT, tem usado a experiência e conhecimentos para ajudar a consolidar uma jurisprudência em defesa do consumidor.
Bessa recebe a comunidade jurídica nesta tarde, para autografar o livro. O evento será realizado a partir de 17h30, no espaço Flamboyant — 10° andar do Bloco A do fórum de Brasilia no Tribunal de Justiça.
Nesta entrevista, o desembargador explica que o consumidor atualmente é mais exigente e consciente de seus direitos, mas o mundo moderno cria novos desafios.
Como sua experiência e seus conhecimentos como especialista em direito do consumidor têm contribuído para o seu trabalho como magistrado?
Bastante. Atuei por 20 anos na Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, no Ministério Público do DF e Territórios. Ouso dizer que não existe "escola" maior do que a vivência diária com questões relacionadas ao tema. Paralelamente, são mais de 25 anos no magistério, com mestrado e doutorado também voltados ao direito do consumidor. Também não poderia deixar de citar a coluna semanal do encarte Direito & Justiça do Correio Braziliense. Por mais de 15 anos, respondi na coluna a questões e problemas reais que afetam o consumidor.
Pode citar uma decisão em que houve uma nova interpretação sobre o tema que prevaleceu em julgamento no TJDFT sob a sua relatoria?
O TJDF, assim como vários outros tribunais, enfrenta diariamente questões relacionadas a direito do consumidor. Fui relator de importante decisão que questionou o entendimento de que é razoável o consumidor, desistente de grupo de consórcio de carro, aguardar mais de cinco anos para receber de volta o que pagou. Esse prazo pode, muitas vezes, chegar a 10 anos. Defendi que, em caso de desistência, o consumidor está sujeito a multa (de aproximadamente 10% dos valores pagos) e não deve esperar mais do que um ano para receber de volta o que pagou.
O consumidor é respeitado no nosso país ou ainda há muito a avançar?
O Código de Defesa do Consumidor completa neste ano 35 anos de vigência. Mudou bastante o cenário. Antes, muitas empresas sequer compareciam ao Procon ou Promotoria do Consumidor. Hoje disputam os números que indicam atenção às demandas dos consumidores, há ouvidorias e setores específicos para resolver as questões de consumo. De outro lado, o consumidor está mais consciente, sabe de seus direitos. Faz avaliações fundamentadas e dá notas negativas quando são desrespeitados. Mesmo assim, sempre há áreas sensíveis que precisam melhorar a atenção ao consumidor. Cito duas. Setor bancário com contratos de empréstimos que são invalidados por falta de observância de cuidados básicos, principalmente com idosos. Outra área são os planos de saúde e as recusas injustificadas de coberturas de procedimentos e cirurgias.
No seu novo livro, com comentários sobre o Código de Defesa do Consumidor, qual é a principal atualização com base em novas jurisprudências?
O livro foca na jurisprudência dos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça). O que se observa, particularmente no STJ, é que temas que já foram bastante polêmicos estão sedimentados, a ponto de não serem aceitos novos recursos para rediscussão. Isso é bastante positivo, até porque o CDC é repleto que "cláusulas gerais" e "conceitos indeterminados" que exigem esclarecimentos mais densos do Poder Judiciário. São tantos assuntos que tenho até dificuldade de escolher algum. Apenas como exemplo, são sete súmulas só na área de entidades de proteção ao crédito. Também há vários julgados na área bancária, principalmente em face dos golpes com dispositivos digitais. O STJ tem destacado que mesmo que o consumidor contribua para o golpe, com alguma negligência, é dever dos bancos monitorar o perfil de gastos e empréstimos do consumidor, de modo a evitar golpes e desfalques que ofendem o perfil de gastos.
O superendividamento é um dos principais desafios na defesa dos direitos do consumidor em conflito com os dos credores?
Sim, com certeza. Os casos de superendividamento do consumidor são crescentes. Os tribunais estão atentos às inovações da Lei do Superendividamento (Lei 14.181/21). A norma acrescentou diversos dispositivos ao CDC tanto na área de prevenção como de tratamento ao superendividado. Na área de prevenção, os bancos precisam se conscientizar do conceito de "crédito responsável", ou seja, agir com lealdade e, em algumas circunstâncias, negar o crédito ao consumidor que pode ser a "gota d'agua" para uma situação de superendividamento e suas mazelas para a família do devedor. Trato bastante do tema no meu livro.
É necessário avançar na legislação sobre direito do consumidor?
Sim. Cito a questão do comércio eletrônico como exemplo. Participei da Comissão de Juristas do Senado instituída para atualizar o CDC. Em 2012, entregamos ao Congresso três importantes projetos de lei. Um deles é sobre disciplina mais detalhada do comércio eletrônico. Já foi aprovado pelo Senado, mas tramita na Câmara dos Deputados há mais de cinco anos. Também citaria o PL 805/2024 sobre direito ao reparo e proibição da obsolescência programada. Esse é mais recente, mas atenderia a necessidades do consumidor, principalmente aquele que se vê obrigado a comprar um produto novo apenas por ausência de peças de reposição.
As questões relacionadas à saúde congestionam os tribunais. Como o direito do consumidor pode favorecer pacientes em demandas com planos de saúde?
Como já destaquei, é uma área muito sensível principalmente quando envolve planos de saúde e suas constantes e injustificadas recusas de tratamento aos consumidores. O Superior Tribunal de Justiça possui inúmeros entendimentos favoráveis ao consumidor, inclusive, com condenação por dano moral quando a recusa é indevida.
Como a atualização do Código Civil, em discussão no Congresso, pode impactar as normas do Código de Direito do Consumidor?
Na área do comércio eletrônico, para ficar apenas num exemplo, seria bastante positiva a aprovação do projeto de lei, pois traria mais segurança ao consumidor numa área que não para de crescer desde a pandemia da covid-19.
Vivemos numa sociedade do consumo, em que as pessoas querem um modelo novo de carro, uma tecnologia mais atualizada do computador, um celular de última linha… Enquanto isso, pessoas passam fome e não têm sequer necessidades básicas atendidas. Cabe ao direito tratar desse tema?
Jonh Kennedy, presidente dos Estados Unidos, em discurso de 15 de março de 1962, dirigido ao Congresso norte-americano, cunhou uma frase que é muito lembrada e repetida: "Todos somos consumidores". É verdade. Muitos, quando pensam em direito do consumidor, já imaginam a compra de produtos caros e sofisticados, compras em shopping center etc. Mas o direito do consumidor envolve áreas básicas, como fornecimento de energia elétrica, água, saneamento. O artigo 22 do CDC dispõe que os serviços públicos essenciais devem ter qualidade e serem contínuos. Também destaco a importância do crédito responsável para aquisição de itens essenciais (fogão, geladeira, colchão etc.) para famílias mais pobres.