Quando se trata de ações de improbidade administrativa, a boa técnica jurídica deve ser capaz de separar o clamor popular que usualmente cerca esses processos e aplicar a legislação conforme as características do caso concreto. Foi o que fez o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao decidir que os danos ao erário também devem ser comprovados em casos anteriores à Lei 14.230/2021, que reformou a Lei de Improbidade Administrativa (LIA).
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Sob a relatoria do ministro Gurgel de Faria (REsp 1.929.658/TO), a 1ª Turma do STJ inaugurou um relevante movimento de virada jurisprudencial. O ministro esclareceu que, até então, vigorava na Corte a presunção de dano causado por atos considerados lesivos ao erário. Essa presunção, no entanto, não encontrava amparo direto no texto legal, mas derivava da consolidação das decisões anteriores do próprio STJ.
Em seu voto, o ministro Paulo Sérgio Domingues destacou a necessidade de superação do entendimento consolidado, observando que, até o advento da nova lei, era admitida "a possibilidade de condenação com base no artigo 10 da LIA, quando os fatos representassem uma potencial perda patrimonial". O ministro relator acrescentou que a revisão do entendimento jurisprudencial abrange todo o rol do artigo 10 da LIA, de modo que "o dano presumido, para qualquer figura típica do artigo 10 da LIA […] não pode mais dar suporte à condenação pela prática de ato ímprobo".
A posição da 1ª Turma, portanto, representa um marco importantíssimo na mudança de jurisprudência, com impacto sobre todos os casos que ainda não transitaram em julgado. Esse entendimento traz maior racionalidade a processos contra pessoas que, muitas vezes, são demandadas com base em ilações ou acusações genéricas, sem a necessária individualização dos atos tidos como ímprobos ou a demonstração clara dos supostos danos causados.
A exigência de comprovação de dano efetivo reforça a necessidade de um esforço investigativo mais rigoroso por parte do Ministério Público e de outros órgãos de controle, que deverão demonstrar de maneira inequívoca o prejuízo sofrido pelo erário. Essa abordagem evita condenações automáticas baseadas em conjecturas ou suposições, assegurando maior respeito ao devido processo legal e ao princípio da ampla defesa.
No âmbito da administração pública, a decisão sublinha a importância do cumprimento estrito dos princípios da legalidade e da eficiência. A contratação sem licitação, como no caso analisado pelo STJ, embora permitida em situações excepcionais, deve ser fundamentada em critérios objetivos e devidamente justificada, sob pena de nulidade e responsabilização dos gestores.
A recente decisão, portanto, representa um avanço significativo na aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, ao exigir a comprovação de dano efetivo ao erário, inclusive em casos anteriores à reforma de 2021. Essa mudança promove maior segurança jurídica, impedindo condenações baseadas apenas em presunções, e fortalece o respeito ao devido processo legal.
Ao enfatizar a necessidade de provas concretas, o STJ contribui para uma atuação mais criteriosa por parte dos órgãos de controle e reforça a importância de uma gestão pública responsável e transparente. A jurisprudência, assim, avança no sentido de equilibrar o combate à corrupção com a proteção dos direitos individuais, fortalecendo a legitimidade de todo o sistema de Justiça.
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