Por Guilherme Veiga, Mestre em direito, especialista em direito constitucional internacionalpela Universitá di Pisa, Itália. Advogado com atuação no STF e STJ
A efetividade das normas constitucionais é essencial para qualquer democracia. Sem a Constituição, os direitos fundamentais não são reconhecidos; sem esse reconhecimento, a proteção e a efetivação desses direitos se perdem. E, sem democracia, as bases para resolver conflitos de forma pacífica e promover uma convivência ética se desintegram.
Nesse cenário, a jurisdição constitucional se torna uma peça central, garantindo a supremacia da Constituição e a proteção dos direitos fundamentais. Pensadores como Kelsen, Dworkin e Alexy exploraram o papel dos tribunais constitucionais e a complexidade de equilibrar democracia e constitucionalismo. Esse equilíbrio, embora necessário, é alvo de críticas, especialmente quando decisões judiciais limitam o poder da maioria em nome da proteção de direitos fundamentais ou quando surgem decisões ativistas, também chamadas de iluministas.
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O STF tem a competência de dar a última palavra sobre a Constituição. Contudo, cresce a defesa de um constitucionalismo democrático deliberativo, que sustenta que as decisões do STF devem ser submetidas ao diálogo com os outros Poderes. Embora o sistema brasileiro pareça sustentar uma supremacia judicial, a prática demonstra que o Congresso Nacional tem revertido decisões da Corte por meio de emendas constitucionais e novas leis.
O uso de emendas e leis ordinárias para modificar ou ajustar entendimentos do STF é legítimo e representa uma interação saudável entre os Poderes, desde que realizado dentro das regras democráticas. No entanto, ao assim proceder, o Congresso enfrenta o ônus de justificar sua posição de forma robusta, especialmente ao tentar superar a jurisprudência do Supremo. Sem um intercâmbio genuíno de ideias e argumentos convincentes, corre-se o risco de desvirtuar o processo democrático. Se o Congresso editasse uma lei contrariando o entendimento consolidado do STF, sem justificativas aceitáveis e sem debate público, isso configuraria uma afronta ao equilíbrio institucional.
Por outro lado, quando o Congresso modifica a Constituição por meio de emenda constitucional, há uma presunção de constitucionalidade, desde que as cláusulas pétreas sejam respeitadas. É importante destacar que essa interação não nega a jurisdição constitucional, mas aprimora a democracia, evitando um monopólio interpretativo do STF. A Suprema Corte pode ter a última palavra, mas essa palavra não deve ser única ou absoluta. As decisões do Supremo devem ser justificadas de maneira transparente e estar abertas a revisões.
Essa dinâmica fortalece a democracia ao permitir que a interpretação da Constituição seja construída não apenas pelo Supremo, mas também pelo Legislativo e pela sociedade. O diálogo institucional promove uma democracia deliberativa. O Supremo aceitou essa posição deliberativa ao reconhecê-la na ADI nº 5.105 e, mais recentemente, no Tema de Repercussão Geral nº 477. Dessa forma, nasce uma jurisdição constitucional mais inclusiva e equilibrada, fruto da interação contínua entre os Poderes. Assim, preserva-se a separação de Poderes prevista no art. 2º da Constituição, mas com maior harmonia colaborativa nas questões constitucionais.
Com base na teoria dos diálogos institucionais, é imprescindível que a tarefa de interpretar o significado da Constituição seja compartilhada, evitando-se que qualquer órgão tenha, de forma abstrata, o direito exclusivo de dar sempre a última palavra.
A força de uma democracia está na capacidade de seus Poderes dialogarem, preservando o que é inegociável e ajustando o que é necessário. Somente uma democracia que respeita as divergências e acolhe a deliberação pode garantir que o poder da maioria nunca silencie a voz da justiça constitucional na defesa dos direitos fundamentais das minorias.
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