Por Othon de Azevedo Lopes, Advogado, professor associado da Faculdade de Direito daUniversidade de Brasília (UnB) e sócio do Machado Gobbo Advogados
A autonomia das agências reguladoras tem sido um tema central nas discussões que mobilizam o governo e a opinião pública. O presidente Lula e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, protagonizaram episódios que levantam questionamentos sobre o grau de autonomia dessas instituições. Em entrevista à Rádio T, Lula afirmou: "Quem decide as políticas públicas é o governo, quem regula é a agência." Em seguida, criticou a ANVISA pela demora na análise de aprovação de novos medicamentos. Já o Ministro, por meio de ofício enviado à ANEEL, mencionou a supervisão ministerial e atribuiu à agência atraso em quatro processos do setor elétrico, sugerindo até mesmo a possibilidade de intervenção na autarquia com base no Decreto-lei nº 200/1967.
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Ambas as posturas foram motivadas por preocupações legítimas, como demonstrado pelo recente apagão na cidade de São Paulo. A Enel, empresa responsável pelo fornecimento de energia elétrica na região, lidou com o incidente de forma que não apenas desacreditou seu próprio serviço, mas também fragilizou a percepção do sistema regulatório brasileiro. No contexto regulatório, o maior desgaste ocorre quando há ausência de utilidade pública perceptível.
A discussão sobre a intervenção em agências reguladoras não é recente. Em 2006, o presidente da República aprovou o parecer da Advocacia-Geral da União no AC 51, que estabeleceu que a autonomia dessas instituições está restrita ao cumprimento de suas finalidades legais e à observância das políticas públicas formuladas pelos ministérios. Esse entendimento abriu margem para ingerências em suas atividades pelos ministros aos quais estão vinculadas e pelo presidente da República, caso seus limites fossem ultrapassados.
Contudo, em 2019, foi promulgada a Lei nº 13.848/2019, que classificou as agências reguladoras como autarquias especiais, retirando-as da tutela e subordinação hierárquica das demais autoridades da Administração Pública. Essa lei conferiu-lhes autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira. Sua redação é clara e derroga eventuais disposições do Decreto-lei nº 200/1967 que poderiam justificar a supervisão ministerial sobre as agências.
A questão, no entanto, não se limita à interpretação literal da Lei. A autonomia das agências reguladoras decorre da natureza das atividades que lhes são atribuídas e do contexto de sua inserção na Administração Pública brasileira. No final da década de 1990, a criação de várias agências teve como objetivo estabelecer um novo regime de produção de utilidades públicas, com colaboração entre o Estado e agentes econômicos privados.
Nesse contexto, surgiu a necessidade de um marco regulatório que estabilizasse os mercados, conferindo segurança e consistência técnica às atividades do Estado. Essa lógica também justifica os mandatos com prazos determinados para os diretores das agências, ultrapassando o período de governos eleitos. A atuação regulatória requer um horizonte temporal ampliado, que não pode estar limitado a um mandato executivo. Além disso, as decisões das agências dependem de expertise técnica. Por exemplo, a avaliação de vacinas ou medicamentos não pode ser baseada apenas em critérios políticos ou majoritários; ela exige rigor técnico para garantir eficácia e segurança.
É nesse ponto que o apagão em São Paulo evidencia a necessidade de aperfeiçoamento da legislação vigente. A falha no fornecimento de serviços básicos é um fracasso que mobiliza tanto os diretamente afetados quanto a opinião pública em geral. É imperativo, portanto, buscar soluções que ampliem o controle sobre as agências. O controle externo pelo Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, conforme previsto no artigo 14 da Lei nº 13.848/2019, e a possibilidade de sindicabilidade das agências pelo Judiciário, não são suficientes.
Entretanto, não se deve retroceder para um modelo de subordinação direta das agências à Administração Direta. É necessário encontrar mecanismos compatíveis com as missões regulatórias dessas instituições. Nesse sentido, o exemplo dos Estados Unidos, pioneiro em regulação, merece destaque. Desde 1981, o país conta com o Office of Information and Regulatory Affairs (OIRA), órgão vinculado à Presidência, que revisa propostas regulatórias e estabelece diretrizes para o setor. A criação de um órgão semelhante no Brasil é uma possível solução para melhorar o controle das agências reguladoras.
Em suma, não se pode abrir mão de um marco regulatório que ofereça segurança aos mercados e seja pautado pela consistência técnica. No entanto, está claro que a legislação precisa ser aperfeiçoada no que tange ao controle das agências reguladoras. A criação de um órgão vinculado à Presidência da República, com atribuições voltadas a esse controle, é uma alternativa que merece ser considerada com atenção.