Análise

Visão do direito: Sem retrocesso

"O protagonismo da mitigação dos valores que dão conteúdo à liberdade é exercido por juízes aos quais compete o papel de guarda da Constituição da República"

10/12/2018. Credito: Arquivo Pessoal. Coluna do Dr.  Luis Alcoforado, do caderno Direito & Justiça, -  (crédito: ArquivoPessoal)
10/12/2018. Credito: Arquivo Pessoal. Coluna do Dr. Luis Alcoforado, do caderno Direito & Justiça, - (crédito: ArquivoPessoal)

Por Luis Carlos Alcoforado — O pensamento é um privilégio do homem, necessidade indissociável da existência racional que se materializa na sua manifestação livre. O pensamento é fruto da razão, atributo exclusivo dos seres humanos. Consiste o pensamento no mais absoluto direito do homem, insuscetível de controle ou limitação, porque pertence ao patrimônio imaterial do homem, inalcançável pelo atrevimento de o agente público ou político intimidá-lo. O consectário do poder ilimitado do pensamento consiste no direito à liberdade de externá-lo, bem protegido da ira estatal em querer relativizá-lo.

Nenhum poder tem legitimidade para miniaturizar o direito à liberdade do pensamento, segundo o mandamento e a mensagem que o constituinte cravou como cláusula pétrea, inquebrantável pelo exercício temporário de um poder. Ocorre, contudo, que se assiste a uma brutal onda de violência contra a autêntica conquista ao direito à liberdade de expressão, de opinião e de pensamento. O insano propósito que persegue a plena liberdade de manifestação do pensamento, inacreditavelmente, se alimenta de decisões judiciais, cujos autores se transformam, abusivamente, em legisladores constitucionais.

O protagonismo da mitigação dos valores que dão conteúdo à liberdade é exercido por juízes aos quais compete o papel de guarda da Constituição da República. Teses rocambolescas, fruto de autoritarismo e casuísmo, são fórmulas de pouca engenharia jurídica, mas de alta dose de descompromisso com a liberdade, a verdadeira liberdade que sacramentou o constituinte. O pensamento jamais pode ser censurado ou proibido, num regime em que as instituições e os poderes cumprem a liturgia dos mandamentos constitucionais. O Supremo Tribunal Federal (STF) não pode se acumpliciar a um modelo de censura de natureza político-ideológica, como método de controle da qualidade do pensamento, segundo cartilha de censor inconstitucional.

O constituinte abominou, expressamente, a censura e a Constituição da República é o guardião da liberdade de expressão, direito fundamental, de mais alta tonicidade legal. A liberdade não é uma dádiva do Estado, mas uma conquista da soberania do cidadão contra o autoritarismo. Se não for livre para expressar seu pensamento e lutar por seus direitos, o cidadão se subalterna à vontade do ditador. Deixa de ser livre para ser vassalo e viver sob o regime que se alimenta da violência institucional, patrocinada pelo próprio Estado.

Censura e democracia são antagônicos, mas o STF, inspirado num neoconstitucionalismo, ou melhor, num neocolonialismo jurídico, permite e consente que seus juízes se excedam no exercício da jurisdição, muitas vezes de duvidosa competência, para adjetivar e toldar a liberdade dos cidadãos. As decisões abrem precedentes que maculam a história do Supremo Tribunal Federal, que, mesmo sob o terror das ditaduras Getulista e Militar, enfrentou o direito à liberdade do pensamento, no limite do possível, com mais asseio, do que a atual formação da casa, em plena democracia.

Ora, com o fim da última ditadura — espera-se que não seja a penúltima —, eclodia a liberdade, até então cerceada segundo a doutrina militar da República Bananeira, como mecanismo para silenciar a oposição e a luta pela democracia. Custou muito a conquista das franquias democráticas: vidas foram ceifadas; cidadãos, presos; a imprensa, amordaçada; e torturas, práticas recorrentes nos calabouços da ditadura militar. Tudo para firmar-se a liberdade, notadamente do pensamento, razão por que a sociedade se deve precaver contra as investidas do Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal, as cortes mais sediciosas para desenhar a democracia relativa, pela idiossincrasia de juízes que temem o exercício ao direito à manifestação das ideias, fonte dos mais qualificados hábitos da cidadania. Não! Não, ao retrocesso!

*Luis Carlos é advogado.

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postado em 29/08/2024 03:00
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