Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha — Ministra do Superior Tribunal Militar (STM) — O Brasil é um dos mais desiguais do mundo em questões de gênero. Segundo relatório do Fórum Econômico Mundial, ocupa a 92ª posição em ranking com 153 países, figurando em 22º dentre 25 países da América Latina e Caribe. Já segundo a ONU, ele ocupa o 142º lugar no tocante à representação feminina entre 191 nações citadas no mapa Global de Mulheres na Política da Organização das Nações Unidas e o nono lugar entre 11 países da América Latina. Isto reflete as mazelas de um Estado que ainda se esbate contra discriminações e preconceitos, herdados de uma estrutura patrimonialista-patriarcal.
À evidência, muitas vitórias foram conquistadas no que se refere aos direitos femininos, e a Constituição de 1988 é o mais significativo instrumento de proteção em vigor na positividade. Complementando-a, medidas legislativas foram promulgadas, contudo, as mulheres permanecem vivenciando uma realidade de estigmatização. Para se ter uma ideia, atualmente somente 15% do Congresso é composto por mulheres, a indicar a grande disparidade entre os gêneros na ocupação do espaço público.
Nas eleições de 2020, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apenas 16% das mulheres foram eleitas vereadoras. A situação é ainda mais grave para as mulheres negras que, conforme a Pesquisa Gênero e Número, representam apenas 6% das vereadoras.
Diante deste cenário, editou-se a Lei 14.192/21 que estatui normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher. O texto alterou o Código Eleitoral, a Lei dos Partidos Políticos e a Lei das Eleições. O objetivo da novel legislação é criminalizar tal conduta e garantir condições melhores na disputa. A norma, para além de estabelecer punições, tipifica a violação. De autoria da deputada Rosângela Gomes (Republicanos-RJ), tramitava desde 2015 no Congresso.
À evidência, participar da formação da vontade política do Estado integra o conceito de cidadania, que transcende os direitos políticos e alcança os civis e sociais. Importante lembrar que, antes mesmo da instituição do voto feminino em 1932, Alzira Soriano, em Lajes (RN), foi a primeira mulher eleita prefeita na América Latina. Durante a campanha, em 1928, ela sofreu ofensas misóginas, com insinuações de que tinha um caso com o governador ou que, sendo uma "mulher pública", era prostituta. Foi eleita com 60% dos votos e assumiu o cargo em 1929, mas na eleição presidencial de 1930, ao apoiar Júlio Prestes e, tendo a Revolução de 1930 ascendido Getúlio Vargas à Presidência da República, todos os prefeitos foram substituídos por interventores. A despeito de ser convidada a permanecer no cargo, Alzira Soriano recusou a função.
Este caso ilustra de forma significativa como as mulheres sofrem uma violência diferenciada ao longo da campanha e antes de assumirem o mandato. Após eleitas, a violência perdura ao não serem indicadas como titulares em comissões, líderes de partidos ou relatoras de projetos que trarão notoriedade.
Desta forma, vários aspectos contribuem para a representação política minoritária de uma maioria populacional. E é por essa razão e não outra, que os números indicam a sua baixa composição nos Parlamentos mundiais. Quando se analisa o Brasil, reduzido é o número de políticas profissionais do gênero feminino, assim como dos negros, dos indígenas, dos jovens, das pessoas com deficiência e dos representantes LGBTQIA .
Certamente, a promulgação da Lei 14.192/2021 é um esforço visível, cujo caminho foi iniciado pelo Código Eleitoral de 1932. A norma conceitua a violência política contra a mulher como toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos femininos. Ela acresce no tipo qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de direitos e liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo.
Com o fito de arrostar práticas nocivas, a novel legislação objetiva prevenir, reprimir e combater a violência política contra o sexo feminino, nos espaços e nas atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções públicas, tendo ainda por escopo assegurar a participação da mulher em debates eleitorais, bem como dispor sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período eleitoral.
Para cumprimento dos fins propostos, a lei reafirma a garantia dos direitos de participação política, a vedação de práticas discriminatórias de tratamento em virtude de sexo ou de raça, tanto no acesso das instâncias de representação política quanto no exercício de funções públicas. E nela, a representação é concebida em toda a sua latitude, na medida em que o exercício do mandato para a ratio legis equivale à tomada de decisões em ambientes políticos em geral.
Concernente aos instrumentos stricto sensu, restaram incluídas disposições inovadoras no Código Eleitoral tais como; a atualização do tipo penal de "divulgação de fatos inverídicos". Tal delito restringe-se somente à propaganda eleitoral e abarca, outrossim, as divulgações que ocorram ao longo do período de campanha sob outros meios.
A lei 14.192 inova ao incluir como agente aquele que produz, oferece ou vende vídeo com conteúdo inverídico sobre partidos ou candidatos. Ademais, incluiu cláusula de aumento sancionatório quando o delito envolver menosprezo ou discriminação à condição de mulher, à sua cor, raça ou etnia. Vedou, igualmente, a propaganda partidária que deprecie a condição feminina ou estimule sua discriminação.
O texto legal sanciona práticas de assédio, constrangimento, humilhações, perseguições ou ameaça, por qualquer meio, cuja finalidade é obstar ou dificultar a campanha ou o desempenho do mandato à candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato, considerando sua qualidade de mulher.
Para os crimes de calúnia, difamação e injúria eleitorais, elevou-se a apenamento em um terço quando tais agravos ocorrerem com menosprezo ou discriminação devido às condições acima mencionadas, ou por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitido em tempo real. A responsabilização alcançará os partidos políticos e propõe a alteração da Lei 9.096/1995, para incluir nos estatutos partidários a prevenção, o sancionamento e o combate à violência política contra a mulher. Mister ressaltar que, conquanto o Brasil tenha reconhecido o direito feminino ao sufrágio em 1932, os homens brancos e abastados já votavam desde 1532 quando o país era colônia portuguesa. Os 400 anos de diferença descortinam o abismo entre os sexos. E por mais que as mulheres tenham conquistado o direito a votar e serem votadas, não conseguiram ascender em termos isonômicos aos espaços de poder e de decisão em relação aos homens.
A insuficiência na efetivação desta representação demandou e demanda ações afirmativas, como a implantação das cotas políticas de gênero, bem assim legislações específicas em favor dos segmentos minoritários. Por tudo isso, divulgar esse importante instrumento jurídico para a sociedade — a Lei 14.192/2021 — é imprescindível, para que as mulheres tornem-se cientes de seus direitos.
Caminhando para a conclusão, os avanços legislativos, infra e constitucionais, aliados aos internacionais, consagradores dos direitos femininos no Brasil são inegáveis! Após muita luta, a garantia formal da igualdade restou estatuída. Entretanto, os ganhos legais não implicaram nem implicam, automaticamente, em uma mudança cultural e social no inconsciente coletivo da nação. Os dados apresentados identificam uma sociedade que ainda possui valores patriarcais enraizados que diferenciam os gêneros humanos e, por isso, atribuem valorações morais distintas às ações e aos comportamentos praticados por ambos.
Pior, demonstram que a conquista por direitos de nada vale se não forem executados na práxis institucional. Lamentavelmente, a desigualdade tende a ser mantida e, pelo histórico de submissão da mulher, se ela não se sublevar, continuará sendo estigmatizada. Daí ser fundamental que a sociedade apoie o compromisso de promoção da livre participação feminina na política.
Nesse norte, uma mobilização de forças há de ser intentada com vistas a cambiar mentalidades e educar os cidadãos e as cidadãs. A questão é complexa e espelha um longo caminhar histórico que se iniciou em 1879, quando as mulheres conquistaram o direito de frequentar as universidades no Brasil, avançou em 1932 com o sufrágio universal e vem se consolidando no cenário nacional por força das incessantes reivindicações que demandam, acima de tudo, o respeito entre humanos na construção do processo civilizatório.