PERFIL IVES GANDRA

Quem é o jurista com interpretação apontada como embasamento para golpe

Ives Gandra tem gravado lives para rebater a conexão de sua interpretação do artigo 142 da Constituição com o ideário de golpistas que planejavam desrespeitar o resultado das eleições

Aos 89 anos, o jurista Ives Gandra da Silva Martins é o ícone do conservadorismo e do bolsonarismo no Brasil. Durante décadas respeitado principalmente pela atuação na área tributária, o advogado se tornou a inspiração para o golpe de Estado que, segundo investigações sobre o 8 de janeiro, poderia ter ocorrido no país.

Ativo nas redes sociais, com 441 mil seguidores no Instagram, Ives Gandra tem gravado lives para rebater a conexão de sua interpretação do artigo 142 da Constituição com o ideário de golpistas que planejavam desrespeitar o resultado das eleições e tomar o poder. O nome do tributarista surgiu em depoimento, à Polícia Federal (PF), do general Freire Gomes, comandante do Exército em 2022, último ano do governo Bolsonaro.

O militar declarou que as reuniões com o então presidente Bolsonaro sobre a possibilidade de impedir a posse do presidente Lula se embasaram em interpretações do jurista Ives Gandra Martins sobre a Constituição. Seria um embasamento jurídico de um dos mais respeitados advogados do país.

O artigo 142 estabelece que: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Ao interpretar o dispositivo, Ives Gandra afirmou que às Forças Armadas caberia assegurar a lei e a ordem sempre que, por iniciativa de qualquer dos poderes constituídos, fossem chamadas a intervir. Em entrevista concedida ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em documentário sobre Histórias da Constituição, Ives Gandra chama as Forças Armadas de "poder moderador". 

Em vídeo postado em meio à repercussão sobre o uso de seu nome nas tratativas do golpe, Ives Gandra explicou a sua posição: "(O artigo 142) só poderia ser utilizado: a) provocado por um poder; e b) para garantir a ordem e jamais para romper a ordem. Jamais para desconstruir Poderes". Tratou, assim, de explicar que nunca defendeu o golpe como forma de tomar o poder.

Ives Gandra ressalta que interpretou o artigo pela primeira vez em 1997, quando ele e o jurista Celso Bastos comentaram a Constituição em 15 volumes e em aproximadamente 12 mil páginas. Desde então, nunca mudou sua posição.

Embora não abrace a causa, Ives Gandra defende uma tese jurídica em suas lives que seria a salvação para o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele sustenta que, se não houve crime, não há que se falar em condenação. "Pensar em praticar um crime e não praticá-lo não traz nenhuma punição", afirma.

O jurista faz uma comparação: "Se mesmo praticando um ato, o instrumental utilizado fosse inviável também não haveria punição porque não houve crime. Por exemplo, pretender matar alguém com arsênico e dar açúcar pensando que era arsênico… O açúcar não mata, o arsênico, sim. Os dois são brancos. Seria o crime impossível sem qualquer tipo de penalidade".

Ives Gandra ressalta que desde agosto de 2022, em suas lives no Instagram, tem dito, com a autoridade de ser professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, que não acreditava ser possível um golpe porque as Forças Armadas jamais aceitariam. "Era zero multiplicado por zero, dividido por zero, somado a zero a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil", enfatiza. Como não houve apoio, sustenta o tributarista, não houve sequer tentativa de crime algum.

Para Ives Gandra, a depredação e a invasão dos prédios da Praça dos Três Poderes não passaram de uma "baderna". "Nunca vi um golpe de Estado sem armas, sem ter sido dado um tiro sequer", acrescentou. 

Nas lives do advogado, no entanto, não há apenas direito, política, poder e justiça. Ele faz sonetos para a mulher, Ruth Vidal Gandra Martins, que morreu em 2021, aos 86 anos, em decorrência de complicações da covid-19. "Quanta saudade, amor, quanta saudade", recita o jurista. Com a mulher, com quem dividiu a vida desde dezembro de 1953, Ives Gandra teve seis filhos, entre os quais Ives Gandra da Silva Martins Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e Angela Gandra, secretária da Família do governo Bolsonaro.

O currículo do jurista é extenso. É advogado, jurista, professor, membro da Academia Brasileira de Filosofia, professor emérito da Universidade Mackenzie e outras várias instituições. Formou-se em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), em 1959, onde concluiu especialização em direito tributário, em 1970, e em ciência das finanças, em 1971. Tornou-se doutor em direito pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, em 1982.

Ives Gandra é o filho mais velho de um português, José, nascido em Braga, que morreu aos 101 anos, em 2000. Na família, há também uma personalidade de destaque internacional: o maestro e pianista João Carlos Martins, consagrado principalmente pelas obras de Bach e pelas histórias de superação de problemas de saúde para tocar sua música. Outro irmão de Ives Gandra, José Eduardo Martins, também é pianista. O caçula, José Paulo, é economista.

O jurista é um homem dedicado à família. Religioso, não perde missa aos domingos e integra a Opus Dei, organização ultraconservadora da Igreja Católica. Ives Gandra também é apaixonado por futebol. São Paulo é seu time do coração. 

 

Mais Lidas