O consultório jurídico do caderno Direito&Justiça traz as respostas de especialistas sobre as principais dúvidas relacionados ao direito.
"Cada vez mais os pets são tratados como integrantes das famílias. Como fica, do ponto de vista legal, a partilha e a guarda dos animais domésticos em situações de separação do casal? Existe guarda compartilhada? Como os juízes estão tratando esses casos?"
O que se tem firmado na jurisprudência do STJ e do TJDFT é no sentido de que a “relação entre o dono e o seu animal de estimação encontra-se inserida no direito de propriedade e no direito das coisas, com o correspondente reflexo nas normas que definem o regime de bens (no caso, o da união estável) (Resp 1.944.228/SP relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator para acórdão ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 18/10/2022), e que a guarda compartilhada e a regulamentação de visitas são específicas do direito de família, decorrentes do poder familiar, à luz do artigo 1.583 do Código Civil, não podendo ser mitigada para o caso em comento”, ou seja, a guarda de animal de estimação (Acórdão 1736815, 07154530820228070016, Relator: MARIA IVATÔNIA, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 27/7/2023).
Em determinado julgado, “os desembargadores explicaram, primeiramente, que os animais de estimação são classificados como coisas no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do art. 82 do Código Civil. Em razão disso, entenderam que a questão controvertida deve ser solucionada no âmbito do direito de propriedade (art. 1.228 do CC), em que pese não se duvidar da existência de vínculo afetivo entre as pessoas e seus animais. Paralelamente, afirmaram que a guarda compartilhada e a regulamentação de visitas são institutos próprios do direito de família, porquanto decorrentes do poder familiar (art. 1.583 do CC)”, não havendo possibilidade jurídica para impor tais normas aos litígios sobre posse e divisão de despesas de animais de estimação.
Dito isso, cabe ainda destacar que, sendo bem (semovente) adquirido durante a convivência comum, os pets podem ser objeto de partilha no divórcio ou dissolução de união estável. Nada obsta acordo amigável sobre copropriedade e custeio de despesas dos animais, porém, inaplicáveis as regras legais do Direito de Família (guarde, regulamentação de visitas e alimentos).
Mesmo que não seja explicitado no divórcio ou na dissolução da união estável sobre com quem permanecerá o animal, caso apenas um dos ex-conviventes exerça a posse do pet, caberá a ele(a) o custeio das despesas do animal, uma vez gozar com exclusividade da convivência com o pet.
Então, mesmo considerando razoáveis posicionamentos doutrinários, bem como eventuais decisões judiciais em sentido contrário, não há que se falar em regulamentação de guarda e de regime de convivência, bem como de fixação de alimentos a animais de estimação, máxime considerando as consequências judiciais desses institutos (ações de obrigação de fazer, de alteração de cláusulas do acordo ou decisão judicial, e, principalmente do cumprimento de sentença de alimentos, que, em tese, poderia ser intentada pelo rito processual da prisão civil, o que entendemos inadmissível).
Libanio Alves Rodrigues
Promotor de Justiça nas áreas cível, família e sucessões em Brasília
"A Gol anunciou na semana passada que entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos. A empresa anunciou que os voos estão sendo operados normalmente. Mas a longo prazo há incertezas? Qual é o direito do consumidor que comprou passagens para viagens programadas?"
Em princípio, os contratos bilaterais, como é o caso do contrato do fornecedor da companhia aérea com o consumidor, não são afetados por um pedido de recuperação judicial. Até porque o pedido foi feito nos Estados Unidos e não no Brasil.
A empresa, em outras palavras, deverá cumprir esses contratos até para continuar no mercado e mostrar sua viabilidade.
Sob o aspecto do direito, a recuperação judicial pedida nos Estados Unidos, que ainda não foi reconhecida pela justiça brasileira, não afeta sequer o credor da companhia no Brasil (como é o caso do fornecimento de combustíveis prestada em solo brasileiro por empresa brasileira) e muito menos afetaria o consumidor brasileiro, que não está sujeito às leis americanas. Sob o aspecto econômico, o fato de a recuperação judicial ter sido pedida nos Estados Unidos aumenta a chance dessa recuperação não afetar os direitos dos consumidores, exatamente porque é comum no setor não a compra, mas a operação de leasing por longos anos, sendo a propriedade das aeronaves de instituições financeiras estrangeiras.
Como na lei brasileira, ao contrário da lei americana, esta dívida não é afetada pela recuperação judicial, a lógica é que a Gol não busque a extensão dos efeitos da recuperação para o Brasil. Em caso de cancelamentos, os consumidores têm as garantias da legislação e da regulamentação do setor, feita pela ANAC, que garante, por exemplo, uma antecedência mínima para eventuais cancelamentos, além do direito de hospedagem, transporte e alimentação em caso de atrasos superiores a quatro horas.
Assim, em caso de eventual descumprimento do contrato de passagem aérea, hoje, o consumidor da Gol tem as mesmas garantias do que o de outra companhia, podendo buscar o Judiciário. Contudo, caso efetivamente ocorra este pedido de recuperação judicial aqui no Brasil, eventual crédito ficaria renegociado nos termos do plano de recuperação que venha a ser aprovado. Mas, hoje, nada muda com este pedido de recuperação nos Estados Unidos.
Paulo Roque Khouri
Advogado especialista em direito dos contratos , responsabilidade civil e consumidor, professor e doutor em direito Privado e constitucional pelo IDP
"Como a reforma previdenciária mudou regras para a aposentadoria especial para policiais civis, o artigo 21, parágrafo 3° da Emenda Constitucional 103/2019 se aplica a esses servidores públicos?"
A reforma da previdência alterou o texto constitucional retirando a possibilidade de concessão de aposentadoria especial para os trabalhadores que exercem atividade de risco (em sentido genérico) e autorizou o estabelecimento, por lei complementar, de idade mínima e tempo de contribuição diferenciado para aposentadoria de ocupantes de cargos de carreiras policiais (agente penitenciário, socioeducativo, policial civil, policial federal, policial legislativo, policial rodoviário federal etc).
Assim, a reforma não acabou com a aposentadoria especial dos policiais, somente trouxe uma adequação textual. Nesse sentido, os integrantes das carreiras policiais podem se aposentar nos termos do art. 5º e seguintes da Emenda Constitucional nº 103/2019. No entanto, não podemos esquecer que no exercício de suas atividades o servidor policial poderá igualmente estar exposto a agentes químicos, físicos ou biológicos que prejudicam a saúde e a integridade física, logo haveria possibilidade de enquadramento também em outra modalidade de aposentadoria especial sem a sobreposição de regras.
Thais Riedel Zuba
Advogada, professora, doutora em Direito Constitucional pelo IDP e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP
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