
Por Juliana Marteli* — O projeto de lei que altera o Código Civil, em tramitação no Senado, pode trazer mudanças significativas para as relações contratuais, especialmente no ambiente digital. Entre as principais inovações, está a inclusão do artigo 422-A, que estabelece que "os princípios da confiança, da probidade e da boa-fé são de ordem pública e sua violação gera o inadimplemento contratual". A proposta prevê que o descumprimento desses princípios poderá levar à resolução ou rescisão dos contratos, algo que não está expressamente previsto na legislação atual.
Para a advogada Juliana Marteli, sócia do Loeser e Hadad Advogados e especialista em contencioso estratégico, a mudança reforça a segurança jurídica em um momento em que os contratos digitais ganham cada vez mais espaço. "A proposta consolida entendimentos já adotados pela jurisprudência, como o do STJ, que reconhece a violação da boa-fé como causa para a resolução contratual. No ambiente digital, isso ganha ainda mais relevância, pois muitas relações são automatizadas e desequilibradas", explica.
Impacto nos contratos eletrônicos
Os contratos digitais, celebrados por meio de plataformas de e-commerce e outros serviços on-line, representam hoje uma parcela significativa das transações comerciais. De acordo com o Enunciado 173 do Conselho da Justiça Federal, a formação desses contratos se completa com a recepção da aceitação pelo proponente. No entanto, a falta de transparência em cláusulas complexas ou a má-fé na execução desses acordos ainda gera muitas disputas judiciais.
Com a nova redação, empresas que operam nesse ambiente terão que garantir maior clareza nos termos contratuais, adotando linguagem acessível (plain language) e design intuitivo. "A elevação desses princípios a normas de ordem pública significa que as plataformas digitais terão responsabilidade direta por falhas que prejudiquem o consumidor, seja por informações insuficientes, erro no design, seja falta de transparência", afirma Marteli.
STJ sinalizou nessa direção
O Superior Tribunal de Justiça já vinha adotando esse entendimento em suas decisões. Em 2022 (REsp 1944616), a ministra Nancy Andrighi destacou que "o descumprimento de deveres laterais, decorrentes da boa-fé, pode levar à resolução do contrato se comprometer o interesse do credor".
Para a especialista, a mudança no Código Civil vai além de uma simples atualização: "É um avanço na proteção das relações contratuais em ambiente digital, especialmente para partes hipossuficientes, como consumidores. Ao mesmo tempo, impõe um padrão mais rigoroso de conduta para as empresas, que precisarão revisar seus processos para evitar riscos legais".
Por fim, a especialista destaca que o projeto de lei ainda está em trâmite no Congresso, mas "se aprovado, deverá influenciar diretamente a forma como os contratos são elaborados, celebrados e executados no Brasil, especialmente no crescente mercado digital".
Sócia do Loeser e Hadad Advogados e especialista em contencioso estratégico*
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