Visão do Direito

Por que comemoramos a condenação de políticos?

"Deveríamos todos nos entristecer diante daquilo que estamos chamando, neste artigo de opinião, de 'a miséria da política' ou, até mesmo, sua falência"

André Vasques e Guilherme Moraes, sócios da Moraes Vasques Advogados -  (crédito: Divulgação)
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André Vasques e Guilherme Moraes, sócios da Moraes Vasques Advogados - (crédito: Divulgação)

Por André Vasques e Guilherme Moraes* — A política é extremamente importante para a vida em sociedade. É por meio dela que se negociam as regras que tornam possível a convivência em uma coletividade. De maneira simples, podemos dizer que, graças a ela, estabelece-se como o poder será organizado e como serão tomadas as decisões coletivas. Sem política e sem um regime democrático, resta o arbítrio, a vontade de um grupo que subjuga um povo.

Com essa breve consideração, surge a pergunta: por que nós, enquanto sociedade, não zelamos pela nossa política, discutindo as questões, elegendo com responsabilidade os nossos representantes e atuando para que o nível da política seja sempre elevado? Ao contrário, comemoramos cada vez que a política demonstra suas misérias e dá sinais de falência.

Dois exemplos, um do passado recente e outro atual na sociedade brasileira: Lula foi julgado e preso por crimes de corrupção. Posteriormente, foi absolvido, mas uma parte expressiva da população brasileira comemorou sua prisão. Recentemente, Bolsonaro foi tornado réu pelo Supremo Tribunal Federal, acusado da prática de crime contra o Estado Democrático de Direito e a democracia. E, novamente, uma parcela significativa da população celebrou esse fato e torce por sua prisão.

Em ambos os casos, trata-se de ex-presidentes da República, a mais alta autoridade do país. Não há o que comemorar quando um ex-presidente da nação é processado criminalmente.

Deveríamos todos nos entristecer diante daquilo que estamos chamando, neste artigo de opinião, de "a miséria da política" ou, até mesmo, sua falência.

Num primeiro momento, as razões para essas comemorações poderiam ser explicadas por: i) a sensação de que a justiça está sendo feita; ii) a descrença na política tradicional; iii) a polarização e a rivalidade política; iv) o acirramento dos debates nas redes sociais; v) a falta de identificação com os líderes; vi) o desejo de ver ruir aquilo que gerou frustração, entre outros fatores.

Contudo, ao aproximarmos a lupa com uma lente antropológica e psicológica, podemos enxergar esse fenômeno como reflexo de traços humanos profundos, como o desejo de punição, o prazer na queda do adversário e a sensação de pertencimento a um grupo.

Nesse sentido, podemos identificar: i) a justiça como espetáculo, o que tem origens históricas e coletivas, desde enforcamentos em praças públicas, fogueiras e decapitações, sempre com plateia. A justiça, ao longo da história, tem sido, em alguns casos, um entretenimento e uma catarse social; ii) o prazer na queda do outro — a lógica do "nós contra eles" — que tem origem no tribalismo; iii) a figura do bode expiatório, conforme descrita por René Girard, quando a sociedade projeta suas frustrações e acredita que elas serão resolvidas com a punição de determinados representantes; iv) a ambivalência moral, na qual se comemora a punição de um político e, ao mesmo tempo, relativizam-se os erros do político do próprio grupo. Poderíamos ainda listar diversas outras razões.

Não se pretende, aqui, argumentar que políticos que cometem erros não devam ser punidos. Pelo contrário, devem responder rigorosamente por seus atos. No entanto, esse fato deveria ser motivo de tristeza, pois esses indivíduos foram eleitos para defender os interesses da nação e, ao agir de forma criminosa, traíram a confiança que lhes foi depositada.

Já recebemos inúmeros sinais de alerta de que a política está desgastada e caminha para a falência. Porém, ainda não surgiu outro caminho para organizar o poder e tomar decisões coletivas de forma democrática que não passe pela política.

É preciso que cada um de nós faça uma reflexão profunda e abandone a torcida. É necessário sair da arquibancada do Coliseu Romano, onde se grita pelo derramamento de sangue, e, no dia a dia, tomar atitudes que elevem o nível da política.

Esperamos que este artigo seja uma fagulha de luz para restabelecermos a confiança na política. Não podemos tratá-la como algo desprezível nem comemorar a queda de seus líderes. Afinal, a política é o alicerce da democracia e do futuro do país.

Sócios da Moraes Vasques Advogados Associados*

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Por Opinião
postado em 10/04/2025 05:30