Visão do Direito

O desafio global no combate à corrupção em tempos de suspensão da FCPA

Agora, o grande desafio é equilibrar segurança jurídica e competitividade empresarial sem comprometer a integridade dos mercados globais

Luana Reis e Rita Machado -  (crédito: Divulgação)
x
Luana Reis e Rita Machado - (crédito: Divulgação)

Luana Reis — Advogada com experiência em direito público estratégico, compliance anticorrupção e penal empresarial; Rita Machado — Advogada criminalista, pós-graduada em direito penal e processual penal e com atuação consultiva e contenciosa nos mais diversos ramos do direito penal

Em 10 de fevereiro de 2025, o presidente Donald Trump emitiu Ordem Executiva (OE) para suspender por 180 dias a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), maior parâmetro normativo em combate à corrupção transnacional desde 1977. A FCPA proíbe empresas e cidadãos americanos — ou empresas que negociam em bolsas dos EUA — de pagar subornos a funcionários estrangeiros para obter ou manter negócios.

A OE não é apenas uma medida administrativa — é um sinal de que princípios éticos estão sendo sacrificados em nome da competitividade econômica, o que levanta questões sobre os rumos do combate à corrupção transnacional e os impactos para os casos em andamento perante o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ).

Segundo a OE, a aplicação "excessivamente ampla e imprevisível" da FCPA estaria prejudicando a competitividade econômica dos EUA, especialmente em setores estratégicos como o de minerais críticos. Embora estudo realizado pela Stanford Law School revele que a aplicação excessiva da FCPA não ocorre sobre empresas americanas, mas estrangeiras, é fato que o discurso sobre os impactos da FCPA nos negócios não é novo.

Em 2010, o Senado dos EUA realizou uma audiência intitulada "Examination of the Foreign Corrupt Practices Act", onde se discutiu os custos significativos da lei para as empresas americanas. Essa retórica assume mais força quando associada ao contexto geopolítico. A China, líder global no fornecimento de minerais essenciais para tecnologias de ponta, domina o mercado com práticas que supostamente desafiam padrões éticos. Ao suspender a FCPA, Trump parece tentar nivelar o campo de jogo, permitindo que empresas americanas possam competir de forma mais agressiva em um setor estratégico para a segurança nacional e a soberania tecnológica.

A reflexão sobre os impactos de normas anticorrupção nos negócios também é familiar no Brasil. Após a Lava Jato, um estudo do Instituto Fiscal Independente mostrou que a indústria da construção civil teve 14 trimestres consecutivos de resultados negativos, com um impacto de 0,9 ponto percentual no PIB por trimestre.

Por coincidência ou não, a Lei Anticorrupção foi alterada em 2022, passando a autorizar a renegociação dos acordos, hoje objeto de debate na ADI 7449 e ADPF 1051, no STF. A renegociação, fundamentada em possíveis ilegalidades processuais, mudanças fáticas e capacidade de pagamento, sinaliza uma tentativa de equilibrar justiça e viabilidade econômica no combate à corrupção.

Impactos da Suspensão da FCPA

A suspensão da FCPA instaurou um limbo jurídico para casos em andamento, pois autoriza a revisão dos casos passados após as novas diretrizes para a aplicação da lei serem definidas. Isso pode afetar acordos bilionários celebrados por companhias alvo da Operação Lava Jato, e que celebraram acordo com o DOJ.

Princípios contratuais como frustration ofpurpose ou fundamental change of circumstances podem ser invocados para justificar ajustes, especialmente se a suspensão for vista como uma mudança circunstancial significativa que torna o cumprimento do acordo desproporcional. Esse cenário de insegurança jurídica deve assumir novos contornos em 7 de abril de 2025, data prevista para julgamento do caso Gordon Coburn e Steven Schwartz, o primeiro pautado após a suspensão da FCPA.

Keep Calm and Carry On: uma resposta da Força-Tarefa Europeia. Por mais alarmante que tenha sido a OE, a FCPA não foi revogada — apenas suspensa. A lei continua em vigor, e as empresas ainda estão sujeitas às suas disposições, inclusive ao prazo prescricional dos ilícitos. Em resposta à medida, o Reino Unido, a França e a Suíça anunciaram recentemente a criação da Força-Tarefa Internacional de Procuradores Anticorrupção.

O grupo prometeu fortalecer a cooperação internacional, compartilhar boas práticas e desenvolver estratégias conjuntas para enfrentar o suborno e a corrupção em escala global, sinalizando às companhias a necessidade de prosseguirem com os programas de integridade e condutas éticas em seus negócios.

Agora, o grande desafio é equilibrar segurança jurídica e competitividade empresarial sem comprometer a integridade dos mercados globais. A OE representa um teste de força para o enforcement anticorrupção, que exigirá a responsabilidade compartilhada a partir da cooperação entre jurisdições para compensar os eventuais retrocessos isolados de outras partes do mundo.

 

  •  Rita Machado, advogada criminalista pós-graduada em direito penal e processual penal pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP/DF), com atuação consultiva e contenciosa nos mais diversos ramos do direito penal, possuindo larga experiência em processos oriundos de grandes operações que envolvem delitos econômicos
    Rita Machado, advogada criminalista pós-graduada em direito penal e processual penal pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP/DF), com atuação consultiva e contenciosa nos mais diversos ramos do direito penal, possuindo larga experiência em processos oriundos de grandes operações que envolvem delitos econômicos Foto: Divulgação
  • Luana Reis, advogada com experiência em Direito Público estratégico, compliance anticorrupção e penal empresarial. Além da advocacia, foi assessora na Corte Interamericana de Direitos Humanos, é especialista em compliance anticorrupção pela LEC e pesquisadora da Transparência Internacional Brasil
    Luana Reis, advogada com experiência em Direito Público estratégico, compliance anticorrupção e penal empresarial. Além da advocacia, foi assessora na Corte Interamericana de Direitos Humanos, é especialista em compliance anticorrupção pela LEC e pesquisadora da Transparência Internacional Brasil Foto: Divulgação
Opinião
postado em 27/03/2025 04:00