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Ainda sobre bets: regulamentação e punições

A ADI ajuizada pela CNC questiona fortemente a regulamentação do setor, destacando possíveis impactos econômicos negativos, como o aumento do endividamento dos brasileiros

CPI das Bets: delegado da PCDF participa de reunião no Senado -
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CPI das Bets: delegado da PCDF participa de reunião no Senado -

Por André Coura*, Antônio Silvério Neto**

A regulamentação das apostas esportivas no Brasil segue em debate, com novas etapas para aprimorar o setor e garantir maior segurança para operadores e apostadores. O tema deve ser analisado em breve pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a partir de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), uma proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e outra pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

A ADI ajuizada pela CNC questiona fortemente a regulamentação do setor, destacando possíveis impactos econômicos negativos, como o aumento do endividamento dos brasileiros. O pedido reacende a discussão sobre os desafios e as oportunidades desse mercado, reforçando a necessidade de uma regulamentação clara e eficaz que garanta segurança jurídica, proteja os consumidores e equilibre os interesses econômicos e sociais.

Enquanto isso, uma consulta pública sobre o tema está disponível na Plataforma Participa Brasil, com a expectativa de receber contribuições por escrito até o dia 27 de março. A previsão é de que a Agenda Regulatória 2025-2026, que levará em conta as sugestões colhidas, seja publicada no início de abril.

Paralelamente às discussões sobre regulamentação, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, criada para investigar irregularidades no setor, teve seu início adiado e só retomará os trabalhos após o Carnaval. A CPI busca apurar denúncias de manipulação de resultados, lavagem de dinheiro e a atuação de empresas sem licença no país, reforçando a necessidade de um marco regulatório eficiente e de uma fiscalização rigorosa para garantir a integridade do mercado de apostas.

A sanção da Lei 14.790/2023, no início do ano, representou um passo importante para a estruturação do setor, estabelecendo critérios para a autorização de casas de apostas, publicidade e combate à lavagem de dinheiro. Entre as novas exigências regulatórias, as operadoras licenciadas deverão implementar políticas rigorosas de prevenção à lavagem de dinheiro, incluindo a identificação de clientes e o monitoramento de transações suspeitas. Essa medida visa aumentar a transparência e a segurança do setor, prevenindo práticas ilícitas e reforçando a credibilidade do mercado.

No entanto, desde a legalização das apostas esportivas, no final de 2018, o mercado cresceu exponencialmente, tornando-se parte da rotina de milhões de brasileiros. A ausência de uma regulamentação específica nesse período resultou em um ambiente pouco fiscalizado, permitindo o crescimento de plataformas ilegais e a popularização de cassinos on-line, como o famoso ‘Jogo do Tigrinho’.

A promessa de uma regulamentação mais clara, portanto, traz esperança de um ambiente mais seguro para os jogadores, maior controle sobre operações ilegais e a garantia de que a arrecadação de tributos seja revertida em benefícios para a sociedade. Alguns avanços já podem ser observados, como o bloqueio de mais de 11 mil links de acesso a plataformas irregulares pela Anatel, a criação da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) e a exigência de licença para operação no país.

Os números evidenciam o impacto da atividade na economia. Ao longo do último ano, os brasileiros investiram aproximadamente R$ 240 bilhões em apostas, um valor que demonstra não apenas o apelo do setor, mas também os riscos financeiros envolvidos. Segundo a CNC, esse volume de gastos contribuiu para a inadimplência de cerca de 1,8 milhão de pessoas e impactou diretamente o varejo, que deixou de faturar R$ 103 bilhões. Esses dados reforçam a necessidade de um debate aprofundado sobre os impactos econômicos das bets e a importância de uma regulamentação que mitigue danos financeiros à população.

Um dos pontos mais sensíveis dessa discussão é a proteção das camadas mais vulneráveis da sociedade, especialmente diante do aumento expressivo nos casos de ludopatia, o vício em jogos de azar. Embora existam programas públicos para o tratamento de transtornos compulsivos, o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não conta com uma política específica para capacitação de profissionais no diagnóstico e tratamento dessa dependência. A falta de treinamento adequado dificulta a identificação precoce do problema, comprometendo o suporte necessário para os jogadores e suas famílias.

Apesar dos desafios, o mercado de apostas é uma realidade irreversível, e essa constatação torna ainda mais urgente a necessidade de uma regulamentação robusta e transparente. O setor precisa de regras bem definidas para garantir um ambiente seguro tanto para operadores quanto para apostadores, prevenindo abusos e protegendo consumidores mais vulneráveis.

A solução passa por um equilíbrio entre regulamentação eficiente e desenvolvimento sustentável do mercado. Isso inclui ampliar a fiscalização, estabelecer campanhas educativas sobre os riscos das apostas e garantir que as receitas geradas pelo setor sejam revertidas para políticas públicas, como saúde mental e programas de combate ao endividamento. O futuro das apostas no Brasil dependerá da capacidade do país de implementar uma regulação clara, eficaz e alinhada às melhores práticas internacionais, garantindo que esse mercado opere de forma segura e responsável.

Graduado e mestre em direito pela Universidade Fumec, com atuação no consultivo e contencioso*

Advogado na área criminal, como foco no consultivo e contencioso**

Correio Braziliense
postado em 20/03/2025 06:00