
Por Patrícia Corrêa Gobbi*
Com as recentes alterações legislativas nas normas regulamentares do Ministério do Trabalho, operadores do direito, gestores e profissionais da saúde se viram instados a aprofundar as discussões sobre a necessidade de proteção da saúde do trabalhador no ambiente de trabalho. A legislação brasileira já garante a todos os trabalhadores o direito a um meio ambiente de trabalho seguro e saudável. Historicamente, o foco foi direcionado à prevenção de acidentes típicos e de doenças profissionais genericamente consideradas.
Ocorre que, em razão da velocidade das revoluções tecnológicas, com profunda alteração nas formas de prestação de serviços, nas demandas dos setores produtivos e, ainda, com as novas modalidades de interação social, verificou-se um agravamento da saúde mental dos trabalhadores.
A pandemia da covid-19, evento de magnitude global, interferiu diretamente na saúde mental das pessoas e, como consequência, obrigou a sociedade a tratar do tema com maior urgência.
Em setembro de 2022, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicaram diretrizes sobre a saúde mental no trabalho, destacando a importância de ações para enfrentar rotinas desgastantes, como excesso de horas extras, ambientes insalubres, assédio moral e outros fatores que criam angústia no trabalho.
Conforme destaca Renan Duarte, é inquestionável que o trabalho interfere na saúde mental, tanto positiva como negativamente, dependendo de como é desenvolvido. Ou seja, em todo ambiente de trabalho existem fatores psicossociais que afetam a psique do trabalhador e devem ser considerados, como a interação entre as pessoas e com o ambiente, o conteúdo da atividade, o modelo de gestão e a cultura organizacional. Da mesma forma, todo trabalhador traz consigo fatores que também devem ser avaliados: capacidade e formação profissional, acesso à alimentação, à segurança e ao atendimento básico de saúde, suas relações interpessoais e seu histórico familiar.
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Seguindo esse raciocínio, a OIT recomenda que empregadores e agentes responsáveis pela gestão empresarial adotem medidas capazes de avaliar quais seriam os fatores de risco psicossociais do ambiente de trabalho. Em outras palavras, identificar, entre os fatores, os que estariam em desequilíbrio e que poderiam trazer possíveis efeitos negativos à saúde do trabalhador.
NesSe contexto, a NR-01 do Ministério do Trabalho foi atualizada para definir fator de risco ocupacional como sendo o "elemento ou situação que, isoladamente ou em combinação, tem o potencial de dar origem a lesões ou agravos à saúde". Em outras palavras, risco seria igual a perigo versus exposição. Fica claro que a saúde mental é um tema complexo e que as doenças mentais têm origem multifatorial.
De toda sorte, seguindo as orientações da OIT, a NR-01 prevê a obrigatoriedade de os empregadores adotarem, no Programa de Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (PGR), medidas de avaliação, prevenção, monitoramento, controle e eliminação desses fatores de risco.
Importante destacar que a identificação desses riscos no PGR contribuirá para o planejamento de ações de prevenção, monitoramento e, até mesmo, para a eliminação dos riscos.
Por outro lado, a falta de adoção das referidas medidas de controle pode agravar o estresse no ambiente de trabalho, desencadeando doenças mentais, com prejuízo para todos (empregados, empregadores e sociedade em geral).
Conforme destaca Gustavo Veloso, o estresse é parte integrante da vida de todos e tem como função impulsionar a criatividade, a vitalidade, a produtividade e as funções cognitivas, além de melhorar o humor. Todavia, quando não conseguimos lidar bem com o estresse, ele cumpre sua função de forma negativa, podendo gerar sofrimento e doenças. O autor, na condição de médico do trabalho, destaca ainda que o estresse pode ter origem em fatores externos ou internos e, embora seja psicológico, também afeta a saúde física.
Os fatores externos podem relacionar-se ao trabalho, por exemplo: sobrecarga de atividades, conflitos no ambiente de trabalho, bem como a existência de problemas familiares e financeiros. Já os fatores internos estariam mais relacionados às disposições pessoais do indivíduo, como sua personalidade.
Dessa forma, concordamos com Gustavo Veloso que a avaliação dos fatores psicossociais de risco no trabalho deve levar em consideração a realidade socioeconômica do trabalhador. São fatores que agravam o estresse e que estão relacionados a fatores externos, por exemplo: a ausência de saneamento básico, a qualidade dos serviços de saúde e de educação, a segurança, além do estilo de vida, como o hábito de fumar ou praticar exercícios físicos.
Sendo assim, a avaliação dos fatores de risco psicossociais no ambiente de trabalho não significa que eventuais doenças que afetam a saúde mental do trabalhador terão necessariamente nexo de causalidade exclusiva com o trabalho. Na verdade, a avaliação da saúde mental deve necessariamente levar em consideração as condições multifatoriais de cada caso.
Isso porque a exposição de trabalhadores a fatores psicossociais no trabalho não constitui necessariamente um risco ocupacional, pois a depender da eficácia das ações de prevenção e controle adotadas, haverá eliminação do perigo.
Constata-se que o atual ordenamento jurídico brasileiro, que engloba também as normas da OIT ratificadas pelo Brasil, acaba por incentivar, indiretamente, que as empresas invistam em melhores modelos de gestão empresarial. E o investimento em uma gestão empresarial humanizada, hábil a trazer satisfação no trabalho, por certo refletirá na diminuição de acidentes de trabalho, de ausências e da rotatividade de empregados. Consequentemente, trará também reflexos positivos na produtividade dos trabalhadores.
A temática é relevante e merece ser enfrentada com seriedade, não apenas pelos profissionais da saúde e do direito, mas especialmente nos meios político e econômico, pois a saúde mental dos cidadãos é responsabilidade de todos.
Sócia da Abagge Advogados Associados*