Entrevista

Credibilidade e confiabilidade são grandes desafios da Justiça, diz Waldir Leôncio

Com 11 meses de mandato como presidente do Judiciário do DF e pouco mais de um ano pela frente no cargo, o magistrado apresentou um balanço de principais medidas adotadas

Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, desembargador Waldir Leôncio Júnior -  (crédito: Divulgação/TJDFT)
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Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, desembargador Waldir Leôncio Júnior - (crédito: Divulgação/TJDFT)

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) está avançado nas soluções tecnológicas que ajudam na rotina de trabalho de juízes e servidores e facilitam a tramitação de processos com celeridade. A inteligência artificial atua em todas as fases. "Ela (IA) auxilia na triagem de processos, na sugestão de minutas padronizadas e no reconhecimento de padrões em decisões judiciais. Isso permite que os magistrados e servidores concentrem seus esforços em questões mais complexas, reduzindo a sobrecarga e aumentando a eficiência do Judiciário", explica o presidente do TJDFT, desembargador Waldir Leôncio Júnior.

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Com 11 meses de mandato como presidente do Judiciário do DF e pouco mais de um ano pela frente no cargo, o magistrado apresentou ao Direito&Justiça um balanço de principais medidas adotadas, até agora, e revelou sua visão sobre temas, como a violência contra a mulher, o Tribunal do Júri, a cultura dos precedentes, o endurecimento das penas para feminicídio, reincidência de crimes e a conciliação como caminho para um desfecho mais rápido e mais adequado à realidade das partes.

Aos 67 anos, Waldir Leôncio passou grande parte de sua vida no TJDFT, onde ingressou em 1975, ainda como estudante de direito. Nascido em Fortaleza, ele veio para Brasília com dois anos e aqui teve toda a sua formação. Filho de um advogado e de uma professora, o magistrado é o primogênito de oito irmãos, entre os quais João Egmont que seguiu seus passos e também é desembargador do TJDFT. A seguir a entrevista:

Em abril, o senhor chega à metade do seu mandato na presidência. Quais os principais destaques no TJDFT nesse período?

Desde o início da gestão, o TJDFT tem se empenhado em aprimorar a prestação jurisdicional, ao garantir maior celeridade, transparência e eficiência. Entre os principais destaques, estão o aprimoramento do PJe do 2º grau, a elaboração de um Programa de Transformação Digital (PTD), a modernização dos sistemas internos e o fortalecimento da inteligência artificial para otimizar o trabalho dos magistrados e servidores. Também obtivemos, por meio de um grande esforço de várias equipes, uma melhor distribuição de nossos espaços com a desocupação do Fórum Mirabete e a realocação de Varas Especializadas, de modo a proporcionar mais conforto e segurança aos magistrados, servidores e público em geral. Também estamos investindo bastante na valorização dos magistrados, servidores e servidores terceirizados. Eu ainda destaco a instalação do Juízo de Garantias e da Vara Henry Borel no âmbito do TJDFT, o que nos coloca à frente de muitos tribunais do país.

O TJDFT recebeu reconhecimentos pela celeridade. A que se deve essa atuação?

Por seis vezes consecutivas, recebemos o Selo Diamante do CNJ como o melhor tribunal de médio porte do país. Devemos esse prêmio ao comprometimento, à capacitação contínua e, profissionalismo dos magistrados e servidores do TJDFT. Além disso, a agilidade na tramitação processual é resultado de um conjunto de medidas adotadas ao longo do tempo. O Tribunal investiu na automação de rotinas, no uso de inteligência artificial para triagem e análise de casos repetitivos. A ampliação do uso de audiências por videoconferência e a integração de sistemas também contribuíram para a redução do tempo de tramitação dos processos. Também contamos com uma estrutura que valoriza e apoia o nosso trabalho, garantindo as condições ideais para que possamos desempenhar nossas funções com excelência e serenidade. Não poderia deixar de destacar o ambiente de trabalho acolhedor e harmonioso que construímos juntos em nossa Corte de Justiça.

Como a inteligência artificial tem ajudado no trabalho de juízes e servidores?

A inteligência artificial é uma aliada fundamental para otimizar o trabalho no TJDFT. Ela auxilia na triagem de processos, na sugestão de minutas padronizadas e no reconhecimento de padrões em decisões judiciais. Isso permite que os magistrados e servidores concentrem seus esforços em questões mais complexas, reduzindo a sobrecarga e aumentando a eficiência do Judiciário. Neste ano, o Tribunal inaugurou o uso responsável da IA Generativa, oferecendo aos magistrados ferramentas institucionais com requisitos de governança, transparência e proteção dos dados. Um exemplo é um assistente de IA que analisa jurisprudências do TJDFT, STJ e STF, responde a perguntas com conhecimento jurídico e resume acórdãos rapidamente. Além disso, foi desenvolvido um assistente de IA para elaboração automatizada da Ementa no Padrão do CNJ, um procedimento que é bastante trabalhoso quando realizado manualmente. Outra ferramenta de IA generativa consegue fazer a transcrição e relatório de audiências por videoconferência, em tempo real, e proporciona maior agilidade na documentação dos processos. Atualmente, também estão em operação e expansão as ferramentas Maat, Artemis, Toth e Saref.

No TJDFT, há deficit de juízes e servidores?

Como em outros tribunais do país, o TJDFT enfrenta desafios relacionados à reposição de quadros. No entanto, a administração tem adotado medidas para minimizar os impactos dessa questão, como a redistribuição eficiente da força de trabalho, investimentos em automação e a realização de concursos públicos, sempre que possível, para suprir as necessidades da instituição. Dos 510 cargos de magistrados previstos em lei, apenas 379 estão ocupados, e temos 131 vagas em aberto. Quanto ao quadro de servidores, dos aproximadamente 7.530 cargos efetivos existentes, 7.277 estão providos, resultando em cerca de 253 vagas ainda não preenchidas (deficit em torno de 3,4%).

O trabalho remoto ainda é uma realidade no TJDFT? Quais as vantagens e desvantagens?

Sim, o trabalho remoto continua sendo uma realidade no TJDFT, especialmente, porque as atividades como a nossa permitem essa modalidade sem prejuízo da prestação jurisdicional. Isso porque desenvolvemos tarefas essencialmente intelectuais. Nosso trabalho exige uma análise aprofundada dos processos judiciais, seguida da elaboração de relatórios e decisões que têm impacto direto na vida dos jurisdicionados. Para essas atividades, o ambiente reservado do teletrabalho frequentemente proporciona uma maior concentração e melhor qualidade nos resultados. Outra grande vantagem do trabalho remoto está relacionada à economia gerada pela redução do consumo de recursos, tais como combustível, energia elétrica, água, copos descartáveis e materiais diversos de escritório. É importante deixar claro que seguimos as diretrizes do CNJ que determinam a observância de trabalho híbrido, que compreende parte da realização das atividades fora das dependências do órgão, até duas vezes por semana, de forma síncrona ou assíncrona, e parte das atividades presencialmente, de forma, inclusive, a possibilitar o atendimento pessoal ao público (advogados, membros do Ministério Público, partes, policiais e ao público em geral). Até o momento, não consigo identificar desvantagens significativas nesse modelo de atuação, que tem demonstrado eficiência tanto em termos operacionais quanto financeiros.

Como tem sido a relação de sua gestão com a OAB?

A relação com a OAB tem sido pautada por uma postura de cordialidade e profundo respeito às prerrogativas da advocacia, pelo diálogo e cooperação. O TJDFT mantém canais abertos para ouvir as demandas da advocacia e buscar soluções conjuntas que garantam uma prestação jurisdicional mais célere e eficiente. O respeito mútuo e a busca por melhorias contínuas têm sido a base dessa relação institucional.

Como o Poder Judiciário pode evitar que presos reincidentes voltem a praticar crimes nas ruas?

A reincidência criminal é um problema complexo de Política Criminal e não especificamente do Poder Judiciário (que apenas deve aplicar a lei), que exige uma abordagem multidisciplinar. O Judiciário pode contribuir por meio da correta aplicação da lei, da fiscalização do cumprimento das penas e do fortalecimento das audiências de custódia. Além disso, políticas de reinserção social, educação e trabalho para egressos do sistema prisional são fundamentais para reduzir os índices de reincidência.

A Lei do feminicídio completa 10 anos. O senhor viu avanços?

A Lei Mara da Penha (11.340/2006) representou um avanço significativo no combate à violência contra a mulher ao conferir maior rigor às punições para esse crime. Houve um aumento na conscientização da sociedade, na celeridade das investigações, na criação de unidades especializadas no atendimento às vítimas e na punição aos agressores. O grande mérito dessa lei foi dar voz e vez (proteção) às vítimas para tirá-las das sombras e livrá-las da opressão causada por relacionamentos abusivos. Possibilitou que o Estado entre na intimidade dos casais para salvar vidas de mulheres atacadas no recolhimento de suas casas - às vezes até em público, o que lhes aumenta o sentimento de humilhação — por pessoas que tinham a obrigação de lhes dar carinho e proteção, mas covardemente fazem o contrário. No TJDFT, trabalhamos para alcançar o ideal de proteção integral às vítimas.

Crimes violentos contra mulheres continuam sendo praticados, mesmo com a nova lei que aumentou as penas para casos de feminicídio. A pena alta não inibe os criminosos?

A recente Lei nº 14.994/2024, que criou o chamado "Pacote Antifeminicídio", trouxe ainda mais rigor, transformou o feminicídio em crime autônomo, elevou as penas e ampliou restrições para condenados, como o uso obrigatório de tornozeleira eletrônica e restrições à liberdade condicional. Essas medidas são avanços concretos na busca por Justiça e proteção às mulheres, mas é essencial seguir aprimorando políticas públicas para prevenir a violência e garantir acolhimento adequado às vítimas. O TJDFT teve seu primeiro julgamento no Brasil, em 27 de fevereiro deste ano, com condenação baseada na nova lei de um crime ocorrido em novembro do ano passado. O aumento das penas tem um papel importante na resposta do Estado, mas, por si só, não é suficiente para inibir os crimes. É necessário um esforço conjunto que envolva educação, conscientização e ações preventivas. O fortalecimento das redes de proteção, a ampliação do acesso a medidas protetivas e o combate à impunidade são essenciais para reduzir a violência contra as mulheres.

O TJDFT tem respeitado os precedentes estabelecidos pelo STJ e STF?

Sim. O TJDFT tem atuado em conformidade com os precedentes estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), ao garantir a uniformidade e a segurança jurídica nas decisões. O respeito à jurisprudência das Cortes superiores é fundamental para a estabilidade do sistema judiciário e para a previsibilidade das decisões. A existência do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (Nugepac), instituído por resolução do CNJ, evidencia o compromisso do Tribunal com a gestão eficiente, a aplicação adequada e o monitoramento constante dos precedentes obrigatórios firmados pelos Tribunais Superiores.

Como o senhor vê a conciliação como instrumento de evitar a judicialização de conflitos?

A conciliação é um mecanismo fundamental para reduzir a litigiosidade e promover a pacificação social. O TJDFT tem investido na ampliação dos centros de conciliação e incentivado a cultura do diálogo para que as partes encontrem soluções consensuais para seus conflitos, evitando demandas prolongadas no Judiciário. Durante minha experiência como 2º vice-presidente do TJDFT (2014-2016), promovi a implantação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos (Cejuscs) em quase todo o Distrito Federal, de modo a desafogar o Poder Judiciário, oferecendo às partes envolvidas uma oportunidade concreta de diálogo, entendimento mútuo e solução rápida e pacífica das controvérsias. Destaco, desse período a instalação do Cejuscs-Super destinado aos superendividados, situação experimentada por muitas famílias na sociedade atual, problema, aliás, que não encontra solução na legislação, mas nada que uma negociação permeada de uma orientação adequada e devidamente assistida possa deixar de resolver. Nessa época, o TJDFT realizou diversas e proveitosas parcerias com importantes setores da sociedade (bancos, faculdades, imprensa e outros).

A conciliação e a mediação são importantes portas que o Poder Judiciário abre à sociedade, dando oportunidade de resolver bem os conflitos. Eu diria, sem receio de errar, que a conciliação e a mediação são caminhos melhores que a via exclusivamente processual e judicial; percebo claramente que a conciliação fortalece o protagonismo das partes, estimula a pacificação social, reduz custos e desgastes emocionais. É um mecanismo que não apenas reduz o volume de processos judiciais, mas também é simples, barato e eficaz. Os protagonistas da conciliação são as partes envolvidas, o que difere inteiramente da jurisdição em que o protagonista é o juiz, um terceiro que nem sempre conhece a fundo o conflito, suas origens, e dita ao final a melhor solução.

Há uma controvérsia sobre a eficiência dos Tribunais do Júri, de que não representam uma visão técnica dos fatos ocorridos nos crimes. Qual a sua opinião sobre o tema? Acha que um juiz poderia julgar de forma mais qualificada os crimes contra a vida?

O Tribunal do Júri é uma garantia constitucional do cidadão (art. 5º, XXXVIII, d, da CF). É um instrumento importante de participação popular na Justiça. Mas não é só isso. Os julgamentos dos crimes dolosos contra a vida pelo Tribunal do Júri possibilitam que as decisões tomadas pelos jurados tenham por base a clemência, por exemplo. Os jurados apreciam livre e soberanamente os fatos e lhes dão o peso devido, absolvendo ou condenando os acusados. O princípio da livre convicção dos jurados é fundamental nesse sistema. Os jurados não fundamentam as suas decisões. Diferentemente, os magistrados apreciam e valorizam os fatos à luz do ordenamento jurídico (leis, jurisprudência, doutrina). Os julgamentos realizados pelos juízes são fundamentados no direito; os julgamentos realizados pelos jurados são fundamentados no sentimento de Justiça que cada pessoa carrega dentro de si e compartilha na sociedade em que vive. Eu diria que se completam a Justiça formal e a Justiça leiga.

Qual é hoje o grande desafio do Poder Judiciário?

Eu poderia dizer que o grande desafio do Poder Judiciário é equilibrar celeridade e qualidade na prestação jurisdicional. Além disso, a adaptação às novas tecnologias, a modernização dos procedimentos e o fortalecimento da segurança jurídica para que se alcance uma Justiça acessível, eficiente e confiável para a sociedade.

Mas ainda assim, faltariam dois ingredientes principais: a credibilidade e a confiabilidade. A credibilidade é fundamental para garantir que as decisões judiciais sejam aceitas pela população como justas, imparciais e efetivas. Já a confiabilidade está diretamente ligada à capacidade do Judiciário em proporcionar segurança jurídica, previsibilidade nas decisões e eficiência na prestação jurisdicional. Esses são valores que decorrem da postura ética, independente e transparente dos magistrados, essencial para a manutenção do respeito e da autoridade moral do Poder Judiciário frente aos cidadãos, garantindo, assim, a legitimidade democrática e a confiança pública no sistema de justiça. Nossa missão no TJDFT é trabalhar para que a população do Distrito Federal confie, acredite e tenha orgulho de seus juízes. Nós nos esforçamos para vencer os entraves processuais, que são muitos, para entregar uma justiça rápida e eficaz.

 

  • O desembargador, Waldir Leôncio Júnior conduziu a Cerimônia
    O desembargador, Waldir Leôncio Júnior conduziu a Cerimônia Foto: Foto: dimmyfb/TJDFT
  • Desembargador Waldir Leôncio, presidente do TJDFT
    Desembargador Waldir Leôncio, presidente do TJDFT Foto: Divulgação/TJDFT
Ana Maria Campos
postado em 20/03/2025 06:00