
Este ano marca os 40 anos da redemocratização do Brasil, iniciada em 1985 com a posse do presidente José Sarney. Para celebrar essa data, o Direito&Justiça conversou com o renomado advogado Pedro Gordilho, cuja trajetória é marcada pela defesa da democracia e do Estado de Direito no país. Entre 1975 e 1982, ele atuou como ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo reconhecido pela independência e firmeza de suas decisões. Também integrou o escritório fundado pelo ministro Victor Nunes Leal e trabalhou ao lado de José Paulo Sepúlveda Pertence, de quem foi amigo e colega.
Qual foi o papel do TSE na redemocratização, que agora completa quatro décadas?
Nos tempos sombrios da ditadura, havia uma histeria anticomunista, ressuscitada nos dias atuais com a mesma finalidade. Entre 1975 e 1982, enquanto estive no TSE, a composição do Tribunal era predominantemente conservadora. No entanto, mesmo diante de divisões internas e de um arcabouço jurídico engessado, avanços significativos foram conquistados. Muitos se perguntam como isso foi possível. Minha resposta sempre foi: por meio de uma hermenêutica construtiva, inspirada na magistral obra do ministro Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito. Ele compara a relação entre o legislador e o juiz àquela entre o dramaturgo e o ator. O ator, para ser verdadeiramente brilhante, não se limita a reproduzir mecanicamente o texto; ele interpreta, incorpora e dá vida à personagem. Da mesma forma, o juiz não deve ser um aplicador frio e insensível das normas, mas um intermediário entre a letra morta da lei e a dinamicidade da vida real, transformando o direito em instrumento efetivo de justiça. Mesmo sob um contexto de restrição e controle, o TSE conseguiu avançar. O órgão declarou inconstitucional a inelegibilidade automática imposta a denunciados pelo Ministério Público e limitou a inelegibilidade de aposentados compulsoriamente a dois anos, beneficiando candidaturas como a de Fernando Henrique Cardoso. Também facilitou a fusão do PP com o MDB, desafiando obstáculos impostos pelo regime, e assegurou a identificação dos partidos nas cédulas eleitorais, garantindo maior transparência no processo eleitoral.
O senhor acredita que a democracia ainda esteja ameaçada?
Acredito que estamos sempre sob ameaça. Como disse o presidente Sarney, citando uma antiga frase da União Democrática Nacional: "O preço da liberdade é a eterna vigilância." A democracia sempre esteve ameaçada. Em um país como o Brasil, há sempre alguém buscando ocupar o espaço político para exercer um governo tirânico, em qualquer um dos poderes. E isso não representa apenas a vontade política de indivíduos, mas também a vontade econômica e financeira de grupos que acreditam ser mais fácil manipular um governo autoritário, sem freios e sem controle, do que lidar com instituições sólidas e democráticas. Portanto, essas ameaças sempre existiram. E, a partir do último mandato presidencial, com os episódios que se sucederam, elas se tornaram ainda mais visíveis.
Qual a sua opinião sobre as penas aplicadas aos condenados do 8 de Janeiro?
Muitos criticam as punições aplicadas, mas é importante compreender que não se trata de um único crime. São vários crimes autônomos, cada um com penas previstas no Código Penal. No direito penal, quando uma pessoa pratica diversos crimes, deve ser responsabilizada por cada um deles, é assim que funciona.
Como o senhor vê o debate sobre a anistia aos condenados por participação no 8 de Janeiro? Acha justo?
Sou contra qualquer forma de anistia, de um modo geral. A anistia concedida em episódios como Jacareacanga e Aragarças permitiu que os anistiados — a quem chamo de insurretos — retornassem ainda mais fortes. Eles se reorganizam para praticar novos golpes. Portanto, considero a anistia indesejável, pois não contribui para o avanço da história; ao contrário, faz com que regrida.
Os advogados devem ser chamados para o debate público diante de tantas ameaças do Estado Democrático de Direito?
A resposta é sim. Nós, advogados, somos convocados a participar do debate político, especialmente diante dos acontecimentos de 8 de Janeiro e das ameaças visíveis de um golpe de Estado no Brasil. Ao recebermos nossa carteira da OAB, fazemos um juramento de grande relevância: comprometemo-nos a "manter, defender e cumprir os princípios e finalidades da Ordem dos Advogados do Brasil". Esse compromisso nos vincula ao artigo 44 do Estatuto da Advocacia e à Lei 8.906/94, que nos impõem o dever inalienável de defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito. Assim, sempre que houver ameaça ou tentativa de golpe contra esse Estado, devemos nos colocar como trincheiras vivas em defesa da democracia.
Como o TSE garantiu eleições durante a abertura controlada pelo regime militar?
O TSE atuou como um fiscal absolutamente autônomo e independente na condução da atividade eleitoral. Cumpriu sua missão institucional de forma exemplar, garantindo que denúncias e excessos fossem devidamente analisados e, quando possível, corrigidos no âmbito do Tribunal. Por isso, o TSE conquistou grande reconhecimento. Há um episódio curioso que ilustra bem esse papel: no julgamento da incorporação do PP, partido de Tancredo Neves, ao MDB, liderado pelo Dr. Ulysses Guimarães, ambos estavam na primeira fila, de mãos dadas, confiando na decisão do Tribunal. Esse momento foi um marco na vida política e partidária do Brasil, pois a incorporação permitiu a criação de uma agremiação partidária com a maior densidade política possível até então. Em resumo, o Tribunal sempre pautou suas decisões pela independência e autonomia, contribuindo para o fortalecimento da democracia, mesmo diante das limitações impostas pelo regime vigente.
O senhor assumiu nesta semana assento que foi de Sepúlveda Pertence no Instituto Histórico e Geográfico do DF. Como pretende contribuir?
Primeiro, sinto-me muito honrado por ocupar a cadeira que pertenceu a José Paulo Sepúlveda Pertence, um grande amigo, democrata e uma das inteligências mais brilhantes que conheci. Fomos colegas no escritório criado pelo ministro Victor Nunes Leal e essa convivência foi marcante na minha vida. Uma curiosidade é que Zé Paulo nos deixou pouco antes de completar 86 anos — ele era o patrono da cadeira de número 86 — e, agora, aos meus 86 anos, assumo esse assento. Encaro isso como um símbolo de integração, amizade e admiração mútua. O Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal tem uma importância enorme. Foi criado pelo presidente Juscelino Kubitschek, um grande democrata, administrador exemplar e criador da nossa cidade. O instituto reúne intelectuais de diversas áreas e tem um papel relevante na promoção do debate público sobre os grandes temas ligados à história e à geografia do Distrito Federal.