
Por Agostinho Zechin Pereira* — NegóciosUm dos temas mais palpitantes atualmente no direito do trabalho é a existência ou não de vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos de transporte e as empresas que administram as plataformas digitais.
Muito embora seja um assunto tipicamente trabalhista, por envolver matéria constitucional, acabou alcançando o Supremo Tribunal Federal.
A alegação de uma plataforma de motoristas de aplicativo é de que a decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, que reconheceu a existência de vínculo empregatício, viola os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, além de afetar todo o novo modelo de negócios da "economia compartilhada" de trabalho intermediado por plataformas tecnológicas.
Haja vista a complexidade do tema, bem como sua clara importância, o ministro Fachin convocou audiência pública para um aprofundamento da discussão. Durante dois dias, mais de cinquenta expositores apresentaram informações técnicas e diferentes perspectivas sobre o tema.
Todos aqueles que foram habilitados a participar da audiência pública tiveram que trazer respostas a uma ou mais perguntas formuladas pela Corte. Uma das perguntas, "curiosamente", era: "Qual o quantitativo de motoristas que contribuem para a previdência social como autônomos?".
É evidente que essa discussão trabalhista gera reflexos em outros campos do direito e impacta diretamente a vida de milhões de brasileiros (não só os motoristas, mas também os passageiros).
Há um claro reflexo dessa decisão no campo previdenciário (recolhimento de contribuições para a previdência social). A existência de vínculo empregatício facilitaria o recolhimento dessas contribuições (desconto direto pelo empregador).
Nada obstante, indaga-se: o que essa pergunta tem a ver com o cerne da questão? A existência ou não de vínculo empregatício em determinada situação concreta deve basear-se na legislação trabalhista (artigos 2º e 3º da CLT, com uma interpretação mais moderna) e não na maior ou menor facilidade de obtenção de recursos para a previdência social.
Preocupa-me a possibilidade de a decisão tomar um caminho tortuoso e se afastar do ponto principal: os motoristas de aplicativo são empregados? Preenchem os requisitos previstos na CLT para tanto? Ou, o que de fato, importa é o cofre da União?
Talvez falte aqui a principal pergunta: o que pretendem os motoristas de aplicativo? Querem ser empregados? Querem trabalhar com subordinação (respondendo às ordens de um "chefe")? Querem abrir mão da autonomia na prestação dos serviços (que é exatamente o contraponto da subordinação?)
Algo que me intriga bastante é exatamente isso. Até quando o Judiciário irá obrigar as partes a seguir um modelo de relação jurídica trabalhista que não lhes interessa?
É evidente que há casos em que o trabalhador é claramente hipossuficiente e possui baixíssimo nível cultural e intelectual. Nessas situações, não se deve esperar que ele tenha o discernimento necessário para compreender as consequências de uma decisão desse tipo. Nesses casos, a intervenção do Judiciário, se provocada, é necessária para reequilibrar essa balança.
Mas e quanto aos demais? Aqueles que possuem discernimento suficiente para entender o que querem e quais as consequências de sua escolha?
Sempre sustentei que a intervenção judicial deve ser inversamente proporcional ao grau de discernimento do trabalhador.
O fato é que a decisão, seja ela qual for, não pode demorar. Pior do que uma má decisão é a instabilidade jurídica. Pode ou não pode?
Na Justiça do Trabalho, há decisões em ambos os sentidos.
No STF, o ministro Zanin, em sede de reclamação constitucional (RCL 63.823), cassou uma decisão do TST que reconheceu a existência de vínculo empregatício entre um entregador e uma plataforma de delivery.
Como gerir negócios a longo prazo dessa maneira?
Nesse cenário, temos vários projetos de lei buscando criar regras trabalhistas para esses trabalhadores e para essas empresas.
Em 2024, o governo federal enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar (PLC) com o objetivo de garantir direitos mínimos para motoristas de aplicativos.
O projeto denomina o motorista como "trabalhador autônomo por plataforma", ou seja, não reconhece o vínculo de emprego. No entanto, prevê o recebimento mínimo de R$ 32,10 por hora de trabalho e a contribuição ao INSS.
Curiosamente, nessa mesma época, a cidade de Minneapolis, no estado de Minnesota, nos Estados Unidos, aprovou uma lei prevendo um "salário mínimo" de US$ 15,57 por hora aos motoristas de uma empresa. Em resposta, a companhia anunciou que interromperá suas operações naquela cidade.
Mas, voltando ao Brasil e ao STF, na minha modesta opinião, penso que não deve ser reconhecido o vínculo de emprego nesses casos. O mundo mudou. A tecnologia evoluiu. As pessoas pensam diferente. Os trabalhadores pensam diferente. Muitos hoje privilegiam o bem-estar, a autonomia e o direito de escolher o que querem.
Foi-se o tempo em que o desejo da maioria dos brasileiros era "trabalhar até a aposentadoria" e "bater ponto".
A geração atual busca liberdade e autonomia no trabalho. Esses aspectos são antagônicos ao formato previsto na CLT.
Afinal, a CLT é da década de 1940. Então, alguém em sã consciência acha mesmo que, apesar de tudo o que mudou no mundo desde então, as regras e pensamentos trabalhistas devem permanecer como eram? Com a resposta, o STF.
Sócio do Lemos Advocacia para Negócios*
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