
A lavagem de dinheiro se caracteriza por um conjunto de ações destinadas a escamotear a origem de bens ou valores advindos de uma infração penal antecedente. Para que haja lavagem de dinheiro, portanto, é preciso que exista um crime antecedente, pois a lei é clara ao dispor que os bens, valores ou direitos devem ser provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Sendo assim, é lógica a conclusão de que alguém só pode ser acusado de lavagem de dinheiro se houver a figura do crime antecedente do qual provieram bens, direitos ou valores.
O crime antecedente é o delito que gera o produto ilícito que será lavado. Pode ser qualquer tipo de infração penal, como tráfico de drogas, corrupção, extorsão, entre outros. A existência do crime antecedente é fundamental para a caracterização da lavagem de dinheiro. É primordial entender que o mero desfrutar do produto do crime antecedente, seja pela aquisição de um carro em seu próprio nome, seja pela compra de passagens ou pelo pagamento de estadias em hotéis, não pode ser confundido com o delito de lavagem. A lei exige, para a configuração desse crime, que haja ações no sentido de dissimular ou ocultar a origem ilícita dos valores.
O STJ tem uma posição firme em relação à lavagem de dinheiro e ao crime antecedente. Em várias decisões, o Tribunal tem entendido que a lavagem de dinheiro é um crime autônomo, que pode ser punido independentemente da condenação pelo crime antecedente. No entanto, o STJ também tem entendido que a existência do crime antecedente é fundamental para a caracterização da lavagem de dinheiro.
Isso significa que o Ministério Público deve descrever com clareza o crime antecedente para formular uma denúncia pelo crime de lavagem, sob pena de inépcia da inicial, uma vez que a origem ilícita dos bens ou valores integra o tipo penal, como afirmou o ministro Celso de Mello no RHC 121.835: "A configuração típica do crime de lavagem de dinheiro exige, para aperfeiçoar-se, a presença de uma infração penal antecedente, que se qualifica como elemento normativo do tipo, a significar que, ausente este, deixa de caracterizar-se o crime de lavagem".
Sob essa ótica, pode ser que alguém seja acusado de um crime de roubo em uma Comarca e pela lavagem em outra, hipótese em que apesar de autônomos os processos, é necessário que no processo da lavagem haja a descrição do crime de roubo, de modo a demonstrar, ainda que no plano dos indícios, a origem ilícita dos valores que estariam sendo branqueados.
Dentro desse cenário, pode ocorrer de o acusado ser condenado no processo da lavagem sem que tenha havido condenação pelo crime antecedente, segundo a posição do STJ.
No ponto, abre-se um parêntese para registrar o posicionamento no sentido de que, em verdade, o correto seria suspender o processo criminal da lavagem até a conclusão do processo que apura o chamado crime antecedente, pois não há dúvida de que entre as duas infrações há uma relação de prejudicialidade, ou seja, para que eu possa dizer que houve lavagem, eu preciso ter certeza de que os valores são de origem ilícita, sob pena de condenar alguém pelo crime de lavagem e depois vê-lo absolvido pelo crime antecedente, o que daria causa a uma revisão criminal.
Prosseguindo, há a hipótese em que o Ministério Público oferece uma única denúncia imputando o crime antecedente e o crime de lavagem de dinheiro, situação em que, a nosso juízo, deve ser exigida a condenação pelo crime antecedente para que haja a condenação pela lavagem de dinheiro, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.
Quando a denúncia não descreve outra origem ilícita para os valores que supostamente foram objeto de lavagem, não faz sentido algum absolver o réu pelo crime antecedente e condená-lo por lavagem, no mesmo processo, ainda que se diga que o crime de lavagem tem autonomia em relação ao crime antecedente.
Por outro lado, o STJ, desde 2012, considera que a lavagem de dinheiro pode ser punida mesmo que o crime antecedente esteja prescrito. Isso significa que, mesmo que o crime antecedente não possa mais ser punido em razão da prescrição, a lavagem de dinheiro ainda pode ser punida, conforme precedente da Quinta Turma: "A extinção da punibilidade pela prescrição quanto aos crimes antecedentes não implica reconhecimento da atipicidade do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei n. 9.613/1998) imputado ao paciente."
Nos termos do art. 2º, II, § 1º da lei mencionada, para a configuração do delito de lavagem de dinheiro não há necessidade de prova cabal do crime anterior, mas apenas a demonstração de indícios suficientes de sua existência. Assim sendo, o crime de lavagem de dinheiro é delito autônomo, independente de condenação ou da existência de processo por crime antecedente.
Precedentes citados do STF: HC 93.368-PR, DJe 25/8/2011; HC 94.958-SP, DJe 6/2/2009; do STJ: HC 137.628-RJ, DJe 17/12/2010; REsp 1.133.944-PR, DJe 17/5/2010; HC 87.843-MS, DJe19/12/2008; APn 458-SP, DJe 18/12/2009, e HC 88.791-SP, DJe 10/11/2008. HC 207.936-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 27/3/2012.
Em conclusão, penso que o crime de lavagem de dinheiro deve mesmo ser combatido, mas não podemos perder de vista as regras que orientam a ciência penal, pois sem elas ficaremos à mercê do humor do julgador de plantão. Por mais que alguém possa dizer que a prova do crime antecedente, em muitos casos, torna-se difícil, esse é o preço que o Estado deve pagar pela primazia do direito de punir as pessoas, sob pena de caminharmos para o arbítrio.