Visão do Direito

Limitação da isenção de IR por doença grave a R$ 20 mil: considerações sobre direito adquirido e coisa julgada

"Isenção do IR por doença grave se configura direito adquirido em situações jurídicas firmadas por decisão judicial transitada em julgado"

Por João Carlos Medeiros de Aragão* e Fábio Luis Mendes** — O governo federal anunciou, em novembro de 2024, a intenção de modificar os critérios para isenção do Imposto de Renda por motivo de saúde. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pessoas com renda isenta superior a R$ 20 mil mensais passariam a pagar Imposto de Renda.

Esse contexto suscita a discussão sobre se as pessoas atualmente isentas do Imposto de Renda têm direito adquirido à isenção, caso sejam aprovadas alterações legislativas que limitem a isenção ao teto de R$ 20 mil.

A questão depende, em tese, das circunstâncias em que o direito à isenção foi reconhecido, e podem ser analisadas duas situações jurídicas distintas.

A primeira refere-se às pessoas que usufruem da isenção por meio de decisão judicial declaratória. Nesse caso, há um direito adquirido consolidado pela coisa julgada, já que a decisão que concedeu a isenção não é mais passível de reforma, salvo nos casos em que estejam presentes os requisitos para a propositura de ação rescisória.

A segunda situação jurídica abrange as pessoas que usufruem da isenção por meio de decisões administrativas, obtidas mediante peticionamento ao órgão previdenciário com base em laudos emitidos pelo SUS.

Divulgação -
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Nesse caso, o ato administrativo que concedeu a isenção poderia ser alterado caso haja uma mudança no dispositivo legal que fundamenta a isenção, dada a possibilidade de revisão administrativa.

A Súmula 473 do STF prevê que a administração pública pode anular seus próprios atos nos seguintes termos: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".

De todo modo, a jurisprudência do STF é firme no entendimento de que não existe direito adquirido a regime jurídico de não tributação. Assim, nenhum contribuinte tem o direito subjetivo de não ser tributado no futuro.

Portanto, caso a limitação da isenção venha a ser aprovada, podem surgir duas situações:

Pessoas com isenção reconhecida por decisão judicial: o direito estaria protegido pela coisa julgada, não podendo ser revogado.

Pessoas com isenção reconhecida por ato administrativo: o direito poderia ser flexibilizado em virtude de alteração legislativa, permitindo a revisão do ato administrativo.

Nesse cenário, o Poder Judiciário seria chamado a se manifestar para estabelecer a isonomia entre as pessoas que usufruem do direito à isenção com base em fundamentos jurídicos distintos.

Por fim, é importante ressaltar que, caso aprovada a limitação da isenção do IR por doença grave, sua aplicação somente poderá ocorrer sobre rendas auferidas a partir do ano seguinte à aprovação, em respeito ao princípio da anterioridade tributária. Além disso, em respeito ao princípio da isonomia, mesmo aqueles com renda superior a R$ 20 mil terão direito à isenção sobre a parcela dos proventos até o teto de R$ 20 mil, sendo o imposto aplicado apenas à parcela que exceder esse limite.

*Advogado no Aragão Advogados Associados e doutor em direito constitucional

**Advogado tributarista

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