Visão do direito

PEC da Segurança e impasse na (in)segurança

"Não há uma direção comum para a Segurança Pública entre o Governo Federal, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, os estados e os municípios"

Antonio Gonçalves, advogado criminalista -  (crédito:  Divulgação)
Antonio Gonçalves, advogado criminalista - (crédito: Divulgação)

Por Antonio Gonçalves* — O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, tem tentado, sem sucesso, viabilizar a PEC da Segurança Pública. Tem sido comuns casos de aumento de letalidade policial, mortes injustificadas, abuso de autoridade e uma responsabilização insuficiente por parte dos agentes das polícias nos estados.

A proposta do ministro esbarra em três problemas fundamentais: o desejo da ampliação de funções e poderes da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, os governadores querem um controle maior sobre a verba da União e, por fim, não há um Plano Nacional de Segurança Pública.

A crise na segurança é uma realidade. Enquanto estados como São Paulo afirmam terem reduzido os furtos e roubos, porém, com atos de violência e letalidade de suas polícias que colocaram a política de segurança pública do estado em questionamento por parte da opinião pública, imprensa e sociedade civil.

A preocupação se justifica em decorrência do aumento da violência policial. Segundo dados do Sistema Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, o índice de letalidade policial por 100 mil habitantes em São Paulo dobrou no atual governo, de 0,9 para 1,8 entre janeiro de 2022 e outubro de 2024.

O número impressiona e não é exclusivo de São Paulo. Segundo o Anuário da Segurança Pública de 2024, a polícia da Bahia que vitimou 1.699 pessoas tem um índice de letalidade maior do que a totalidade dos Estados Unidos da América que teve uma letalidade policial com 1.164 vítimas fatais. Assustador.

Nem a própria Polícia Federal, tão defendida pelo ministro, escapou dos excessos, afinal, uma jovem de 26 anos foi baleada na cabeça, na véspera de Natal, dentro do carro com sua família, por agentes da PRF do Rio de Janeiro na BR-040, em Duque de Caxias. E qual foi a resposta para tal ato: "Mais um evento traumático".

No mesmo dia, o presidente da República, sancionou o Decreto n° 12.341, de 23 de dezembro de 2024, no qual regula o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública, com vistas a promover eficiência, transparência, valorização dos profissionais de segurança pública e respeito aos direitos humanos.

Com o Decreto, o uso de arma de força passa a ser considerado como "último recurso". E, concomitantemente, os órgãos e os profissionais de segurança pública devem assumir a responsabilidade pelo uso inadequado da força.

E qual foi a resposta de estados como, por exemplo, o Rio de Janeiro que fazem operações policiais com frequência? Que irão recorrer do Decreto e clama que a população cobre do Congresso: "Espero que a população cobre dos responsáveis por esse decreto quando bandidos invadirem uma residência, roubarem um carro ou assaltarem um comércio!".

Não há uma direção comum para a Segurança Pública entre o Governo Federal, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, os estados e os municípios. O primeiro quer diminuir a letalidade e restringir o uso de arma de fogo, o segundo quer mais orçamento e autonomia para as Polícias Federal e Rodoviária Federal, ao passo que os estados têm aumentado a letalidade de suas polícias e os municípios têm objetivado aumentado o uso da Guardas Civis Metropolitanas como uma Polícia Municipal, inclusive com a utilização de arma de fogo, questão ainda controvertida, seja por falta de capacitação ou treinamento e por carência de uma ampla regulamentação.

De tal sorte que, não por acaso, a PEC da Segurança Pública está longe de ser consenso e o motivo principal não é a questão de repartição maior ou menor de verbas, mas sim, a falta clara de um Plano Nacional de Segurança Pública.

Não é factível se criar uma PEC da Segurança sem ter um plano de ação, sem demonstrar aos estados e ao Congresso Nacional o que se pretende fazer, de maneira unificada, acerca da proteção do cidadão brasileiro. E dar maiores poderes às Polícias Federal e Rodoviária Federal não perfaz um plano de ação.

A Segurança Pública no Brasil colapsa. A letalidade policial aumenta, todavia, a sensação de segurança diminui e já é a principal preocupação do brasileiro, segundo pesquisa do Datafolha. E como resolver?

Primeiro, como dissemos, criar o Plano Nacional de Segurança Pública a ser seguido pela União, Estados e Municípios. Segundo: o Governo Federal investir em tecnologia a fim de criar um banco de dados integrado e nacional entre as polícias, o que, em momento algum, tem sido discutido e é essencial para uma investigação policial. E, por fim, minorar o deficit nacional das Polícias Civil, Militar, Federal e Rodoviária Federal com uma maior atuação da Corregedoria e das Ouvidorias das Polícias quando abusos de autoridades e desvios forem praticados.

O Governo Federal parece ter se esquecido das funções primordiais das polícias: investigar e proteger. Atualmente, as polícias caminham na direção diametralmente oposta, afinal, se mata mais, nem sempre com justificativa e pouco se protege a população brasileira que já não sabe mais a quem recorrer, uma vez que o Estado Democrático de Direito brasileiro falha sistematicamente em garantir e efetivar os direitos tidos como fundamentais da sociedade e, dentre eles está a Segurança Pública Nacional.

A PEC da Segurança precisa, de fato, ser revista e reelaborada, pois, os estados e os municípios não podem apoiar o que não sabem que será feito e nem de que forma. Nesse meio tempo, agem de forma indiscriminada e sem a devida responsabilização, em uma Guerra cujas vítimas têm sido a população brasileira.

*Advogado criminalista, pós-doutor pela Universidade de Santiago de Compostela, pela PUC/SP e pela Universidade de La Matanza, doutor e mestre em filosofia do direito pela PUC/SP, MBA em Relações Internacionais da FGV

Opinião
postado em 02/01/2025 05:00
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