Visão do direito

Reforma Tributária: uma análise dos regimes específicos e seus impactos

"Com fundamento na Emenda Constitucional 132/2023, o texto aprovado pela Câmara dos Deputados configura uma tentativa de mitigar a complexidade do sistema vigente, assegurando maior transparência, competitividade e racionalização das obrigações tributárias."

Leonardo Roesler, sócio do RMS Advogados -  (crédito:  Divulgação )
Leonardo Roesler, sócio do RMS Advogados - (crédito: Divulgação )

Por Leonardo Roesler* — A recente regulamentação da reforma tributária, consubstanciada no Projeto de Lei Complementar 68/2024, representa um marco no sistema tributário brasileiro, ao propor 11 regimes específicos de tributação direcionados a setores estratégicos da economia. Com fundamento na Emenda Constitucional 132/2023, o texto aprovado pela Câmara dos Deputados configura uma tentativa de mitigar a complexidade do sistema vigente, assegurando maior transparência, competitividade e racionalização das obrigações tributárias. A abordagem setorial, porém, reflete não apenas a necessidade de tratar de forma diferenciada as especificidades econômicas, mas também o desafio de preservar a neutralidade fiscal enquanto se promove a justiça tributária.

O setor de combustíveis, por exemplo, permanece sob o regime monofásico de tributação, no qual a incidência tributária ocorre em apenas um ponto da cadeia produtiva. Nesse contexto, produtores de biocombustíveis, refinarias e unidades petroquímicas são designados como contribuintes principais. O modelo também abrange importadores e formuladores de combustíveis autorizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Essa estrutura busca evitar a acumulação de créditos tributários nos demais elos da cadeia, como distribuidores e varejistas, promovendo maior previsibilidade e simplicidade nas operações.

A diferenciação também se aplica aos biocombustíveis e ao hidrogênio verde, cuja carga tributária varia de 40% a 90% daquela aplicável aos combustíveis fósseis. Essa abordagem não apenas promove a competitividade das fontes de energia sustentáveis, mas também reforça compromissos ambientais assumidos pelo Brasil em tratados internacionais. A medida é coerente com o objetivo maior da reforma de alinhar-se a princípios de sustentabilidade e eficiência econômica.

O sistema financeiro, por sua vez, é contemplado por um regime específico que respeita as particularidades das instituições que o compõem, como bancos, cooperativas de crédito, seguradoras e entidades de previdência complementar. As alíquotas foram desenhadas para preservar a carga tributária vigente no período de referência de 2022 a 2023, enquanto a base de cálculo permite deduções importantes, como despesas financeiras e provisões para créditos de liquidação duvidosa. Tal flexibilidade é essencial para manter a estabilidade do setor, que desempenha papel crucial na intermediação econômica e no fomento à atividade produtiva.

Outro destaque é o tratamento conferido aos fundos de investimento, que, em regra, não serão tributados pelo IBS e CBS. Todavia, fundos específicos, como os de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e imobiliários (FII), estarão sujeitos a essas contribuições caso não observem requisitos de isenção ou atuem de maneira a gerar distorções no mercado. No setor de loterias, o projeto introduz critérios para apuração da receita líquida, incluindo deduções de prêmios e destinações obrigatórias, garantindo que a tributação incida sobre o resultado efetivo das operações.

Em relação aos planos de saúde, a Emenda Constitucional 132/2023 prevê uma alíquota reduzida em 60%, incidindo sobre a receita ajustada dos serviços e das reservas técnicas. Essa redução reflete o compromisso de preservar o acesso à saúde, ao mesmo tempo em que assegura a contribuição do setor para o financiamento público. Planos de autogestão sem fins lucrativos, que atendam aos requisitos legais, serão isentos, destacando o papel social dessas entidades.

A inclusão de planos de saúde para animais também reflete a expansão da reforma para setores emergentes, com uma redução de 30% na carga tributária, mas sem possibilidade de aproveitamento de créditos pelos contratantes. Esse movimento é um indicativo da flexibilidade da reforma em adaptar-se a novas demandas do mercado e às mudanças nos hábitos de consumo da população brasileira.

A reforma tributária, portanto, ao implementar regimes específicos, busca equilibrar a necessidade de simplificação com a preservação das peculiaridades setoriais. Apesar dos avanços, a pluralidade de regras ainda exige uma execução precisa e fiscalização eficiente, garantindo que os objetivos de justiça fiscal e neutralidade econômica sejam efetivamente alcançados. O projeto aprovado reforça a importância de uma abordagem sistêmica, ao mesmo tempo em que preserva a competitividade de setores fundamentais para o desenvolvimento nacional.

*Sócio do RMS Advogados, especialista em direito tributário e empresarial

Opinião
postado em 02/01/2025 06:00
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