Visão do direito

Mobilidade de baixo carbono: o álcool ainda é a melhor resposta

"Muito antes das questões ambientais colocadas pelo desafio planetário das mudanças climáticas, o Brasil já incentivava o desenvolvimento e o uso de biocombustíveis"

José Del Chiaro, sócio fundador do Del Chiaro Pereira Advogados, ex-secretário de Direito Econômico e especialista em Direito Econômico e Concorrencial -  (crédito:  Divulgação )
José Del Chiaro, sócio fundador do Del Chiaro Pereira Advogados, ex-secretário de Direito Econômico e especialista em Direito Econômico e Concorrencial - (crédito: Divulgação )

Por José Del Chiaro* — Quando o tema é descarbonização da economia global, a mobilidade terrestre, pelo peso na dinâmica da atividade econômica, assume papel preponderante. E, nesse aspecto, o Brasil está à frente do mercado mundial não só para o futuro próximo, mas agora, pois já construiu uma mobilidade terrestre eficiente do ponto de vista energético, ambiental e socioeconômico.

Muito antes das questões ambientais colocadas pelo desafio planetário das mudanças climáticas, o Brasil já incentivava o desenvolvimento e o uso de biocombustíveis. Dada a necessidade energética e os impactos que os aumentos de preço e a dependência de importação do petróleo impuseram ainda na década de 1970, o país ousou e, com sucesso, transformou o etanol em uma solução real e exportou essa tecnologia.

Passados 50 anos, há hoje programas como o Mover — Mobilidade Verde, estabelecido em 2024 por lei federal e que representa relevante avanço da política industrial automotiva, com incentivos fiscais para produtos acessíveis e eficientes em relação a emissões de CO2. E estudos recentes comprovam que o etanol foi a melhor escolha para o país.

Desenvolvido pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos, o Co-optima avaliou e classificou os energéticos (combustíveis e eletricidade) para motores. O resultado mostrou que o etanol é a opção mais vantajosa no curto e médio prazos para motores de concepção moderna — como os que saem atualmente das montadoras: turbos de baixa cilindrada com injeção direta, que permitem alto torque em baixas rotações, boa dirigibilidade, consumo reduzido e pouca emissão.

A ideia é que, já em 2025, esses modernos propulsores híbridos apresentem uma operação otimizada e alta eficiência térmica, da ordem dos 50%, conforme testes realizados pela Nissan, o que mostra que a tecnologia da combustão interna não está no fim de vida, e ainda há muito potencial para sua evolução.

Do lado das emissões, o etanol proporciona a redução de poluentes, sempre que adicionado à mistura. Dependendo dos ajustes dos motores, misturas com mais etanol podem representar quedas de 40% nas emissões.

Mas isso é só uma parte da vantagem ambiental do etanol. Hoje, nossa legislação privilegia a Análise do Ciclo de Vida para medir emissões de CO2 na matriz de transportes, especialmente em veículos e comerciais leves. E aí reside o grande destaque e inovação do Mover — primeira legislação no mundo que considera o ciclo de vida completo da mobilidade, o chamado "do berço ao túmulo". A partir de 2027, o país irá apurar emissões de gases de efeito estufa no ciclo poço-à-roda e, a partir de 2032, no ciclo completo, incluindo produção, montagem e descarte do veículo. Não adianta olhar apenas uma parte da cadeia da mobilidade, como o insumo energético ou o uso do veículo. É preciso pensar o ciclo completo para que as soluções sejam eficientes em relação à temática ambiental. Portanto, quando o tema é descarbonização em mobilidade, é imperativo considerar produção, uso e destinação (ou descarte) final de um veículo.

Levando em conta esse cenário e o ciclo poço à roda, o etanol apresenta-se como a melhor solução em termos de eficiência energético-ambiental, segundo estudo do consultor Ricardo Simões de Abreu publicado no livro Da Bomba ao Plug. Entre diversas combinações de tecnologias de propulsão veicular, motores flex híbridos usando etanol encontram-se na mesma faixa dos veículos elétricos abastecidos com eletricidade verde — caso ainda raro no mundo.

Outro estudo, conduzido em 2023 pela VDI — Society for Vehicle and Traffic Technology, uma associação de engenheiros alemães, concluiu que, durante o ciclo completo de vida, híbridos combinando pequenas baterias e combustíveis de baixo carbono podem acumular emissões de poluentes menores que as de veículos elétricos, que têm 70% de sua emissão total na etapa de produção, notadamente na fabricação da bateria de lítio.

Além de altamente poluente na fase da extração do lítio, a tecnologia dessas baterias — não totalmente madura — ainda apresenta problemas de segurança, com graves casos de incêndios praticamente incontroláveis. Por conta disso, a cidade de São Paulo ainda não tem uma regulamentação para postos de carga, especialmente em condomínios.

Como o etanol está no centro do Mover, sua adoção por parte da administração pública seria um motivador para outros setores. Dependendo da receptividade, o grupo poderá oferecer os veículos a consumidores a partir de 2025.

Além de todas as vantagens, a disponibilidade de etanol satisfaz perfeitamente o mercado nacional, garantindo a sustentabilidade da opção pelo biocombustível. Por sua história e inovação, a tecnologia de motores a etanol é patrimônio nacional pouco valorizado e reconhecido e que, em função de avanços legislativos e regulatórios como o Mover, é até hoje remodelado e modernizado. Ainda há muito o que fazer, como privilegiar os híbridos elétricos e a etanol em rodízios municipais e em tributos, além de empregar o biocombustível como fonte complementar na matriz energética nacional e na geração de hidrogênio.

Por tudo isso, fica claro o compromisso e a posição do Brasil como pioneiro no desenvolvimento de soluções de mobilidade mais limpas, respeitando dimensões econômicas e sociais, sem deixar de lado a segurança energética. É dessa forma que o Brasil contribui com o desafio global da descarbonização, conquistando ainda mais relevância nos próximos anos.

*Sócio fundador do Del Chiaro Pereira Advogados, ex-secretário de Direito Econômico e especialista em Direito Econômico e Concorrencial

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Opinião
postado em 02/01/2025 04:00
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