Por Ibaneis Rocha* — Quando entrou na agenda política o debate — diga-se, desde logo, necessário para as contas do governo e do País — em torno dos cortes de gastos públicos, o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) foi novamente alvo da tesoura dos que insistem em uma ideia errônea de Brasília. Felizmente, prevaleceu o entendimento da indispensabilidade dos recursos oriundos da União para garantir os serviços essenciais de uma cidade que abriga as sedes dos três poderes e representações diplomáticas de todo o mundo.
Embora a maioria do Congresso Nacional já tivesse se manifestado convencida da necessidade de não alterar o cálculo de reajuste do FCDF, a insistência na matéria nos levou a trazer o que talvez tenha de mais singular nessa discussão: por mais que se tente, não se trata de uma matéria econômica. O inciso XIV da Constituição Federal preconiza, para destinação dos recursos, in verbis, "organizar e manter a Polícia Civil, a Polícia Penal, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019). Sobre a assistência financeira, compreende-se a execução dos serviços públicos de saúde e educação.
Regulamentada pela Lei 10.633/2002, a transferência desses recursos tem sido efetuada, desde 2003, obedecendo a correção anual pela variação da Receita Corrente Líquida, da União. E por se tratar de recursos federais, sua fiscalização é feita pelo Tribunal de Contas da União, que anualmente é responsável por avaliar a regularidade de suas contas, por meio de um Processo de Contas Anuais.
Tudo explicado, ficou claro que não se buscava tratamento privilegiado, mas sim respeito ao papel do Distrito Federal, cujo crescimento urbano desde a sua inauguração, em 1960, vem exigindo uma atenção cada vez maior do Governo para manter a qualidade dos serviços essenciais prestados à população.
Por coincidência, a proposta de alteração das regras do Fundo Constitucional surgiu num momento em que o DF vem sendo apontado em vários estudos como exemplo de eficiência na utilização de recursos para melhoria da qualidade de vida da população em áreas como necessidades humanas básicas (alimentação, saneamento, segurança), fundamentos de bem-estar (saúde, educação e meio ambiente), além de inclusão social e proteção aos direitos individuais. Dá para imaginar o efeito devastador na vida das pessoas de uma cidade que nasceu para ser modelo.
Os cidadãos e cidadãs que residem ou são moradores transitórios na Capital da República são testemunhas do efetivo cumprimento das obrigações exigidas ao Governo do DF. Representando uma parcela significativa do orçamento total do Distrito Federal, o FCDF significa, na essência, a própria realização do sonho de Juscelino Kubitschek, quando anteviu, com fé inquebrantável, uma confiança sem limites no destino de nosso País.
Aliás, nunca é demais lembrar a forte oposição que JK enfrentou para construir a nova Capital. Muitos comodistas não queriam deixar a Guanabara e se mudar para "o mato", como se dizia à época. Achavam Brasília um obstáculo a tudo e desprezavam a visão futurista do presidente. Até pouco tempo atrás, dizia-se até que Brasília, por ser sede administrativa da nação, era uma cidade de burocratas circulando no meio do concreto, uma cidade sem alma. Quem conhece o mínimo da cidade, percorrendo suas quadras e avenidas, sabe que isso não é verdade. A cidade mais brasileira de todas foi construída por pessoas que não mediram sacrifícios individuais e souberam juntar as características de cada região para forjar uma identidade nova.
Hoje não paira mais nenhuma dúvida. Brasília tornou-se estratégica tanto na geopolítica quanto no planejamento do País. Com seus 5.802 quilômetros quadrados, a menor das unidades federativas funciona como uma ponte de desenvolvimento, unindo os quatro pontos cardeais do Brasil. Somada ao Entorno, a população ultrapassa os quatro milhões.
O DF fica a apenas 1h30 de voo para São Paulo, 1h20 para Rio de Janeiro, 1h45 para Vitória, 2h30 para Recife, 3h para Manaus e 30 minutos para Goiânia. É também o centro geográfico da América Latina, a três horas de voo para Buenos Aires, Argentina, menos de 8 horas para Miami, Estados Unidos, e a 3h40 para o Peru, onde está localizado o porto da América do Sul mais próximo do Oriente. O DF também fica próximo a dois grandes centros consumidores, Belo Horizonte, a 735 quilômetros, e Goiânia, a capital mais próxima, com 207 quilômetros.
São dados reais, e não meras projeções, que estão à disposição de quem chega ao DF e se admira não só com a sua arquitetura, mas também com a sua pujante força transformadora.
O brasiliense é aquele que lida com pessoas das 27 unidades da Federação. Aqui vive uma geração consciente de que a cidade está consolidada, mas a obra continua — e prosseguirá por muito tempo mais, até que possamos extinguir todos os problemas decorrentes de um país em que a marca da desigualdade ainda é forte. É uma obra conjunta, e temos muito do que nos orgulhar dela.
Por fim, só nos resta agradecer, embora sem nominar, pois são tantos, mulheres e homens que, posicionando-se e levantando sua voz em defesa da nossa Capital, mostraram que Brasília, verdadeiramente, é o ponto de encontro do Brasil com o Brasil.
*Governador do Distrito Federal
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