Por Berlinque Cantelmo* — Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir que réus condenados pelo Tribunal do Júri possam começar a cumprir suas penas imediatamente, mesmo recorrendo da sentença, é inevitável que presenciemos grandes injustiças técnicas em processos conduzidos de forma arbitrária por magistrados e promotores que, frequentemente, atuam de maneira inadequada, em conjunto.
Essa decisão representa uma antecipação indevida da pena, alterando a dinâmica de seu cumprimento em casos julgados por júri popular. Além disso, traz implicações importantes para o sistema judicial brasileiro, ferindo o princípio da presunção de inocência e o direito ao duplo grau de jurisdição.
Anteriormente, réus condenados pelo Tribunal do Júri poderiam recorrer da sentença em liberdade, dependendo do caso. Agora, com a decisão do STF, o réu condenado em primeira instância poderá ser preso imediatamente após a condenação, antes do julgamento de qualquer recurso. A justificativa apresentada é que o Júri reflete a vontade popular e, por isso, deve ser respeitado. A decisão busca evitar que pessoas condenadas por crimes graves, como homicídio, permaneçam soltas enquanto aguardam o desfecho de recursos, o que pode levar anos.
No Brasil, o Tribunal do Júri é responsável por julgar crimes dolosos contra a vida, como homicídio, infanticídio, induzimento ao suicídio e aborto. Composto por sete jurados - cidadãos comuns -, o Júri decide se o réu é culpado ou inocente com base nas provas e argumentos apresentados pelas partes. No entanto, os jurados não estão imunes a erros.
A importância do Tribunal do Júri reside no fato de representar a participação direta da sociedade no julgamento de crimes graves, garantindo um julgamento mais democrático e sensível às questões sociais. Contudo, de onde se extrai o conceito de que as decisões da sociedade são infalíveis e isentas de equívocos?
Há argumentos tanto a favor quanto contra a decisão do STF. Por um lado, muitos defendem que a medida assegura a aplicação mais rápida e eficaz da justiça, evitando que condenados permaneçam soltos por anos enquanto recorrem. Isso é particularmente relevante em casos de grande repercussão, em que a sensação de impunidade é percebida como um problema.
Por outro lado, críticos argumentam que a decisão viola o princípio da presunção de inocência, já que o réu tem o direito de recorrer, e sua condenação pode ser revertida por uma instância superior. A prisão imediata configura uma antecipação de pena, gerando injustiças nos casos em que a sentença venha a ser anulada.
A decisão poderá impactar diversos casos de grande repercussão no país, em que condenados pelo Tribunal do Júri aguardam julgamento de recursos em liberdade. Um exemplo é o caso do ex-médico Roger Abdelmassih, condenado por estupros de pacientes. Apesar da gravidade do caso, ele conseguiu recorrer em liberdade por um período. Sob essa nova regra, teria iniciado o cumprimento da pena imediatamente após a condenação.
Outros casos de homicídios de grande notoriedade, como os que envolvem políticos ou figuras públicas, também podem sofrer reviravoltas, com réus sendo presos logo após a condenação, independentemente dos recursos ainda pendentes.
Essa mudança trará uma nova dinâmica ao sistema judiciário brasileiro e deverá ser acompanhada de perto, tanto para avaliar seus efeitos práticos no combate à criminalidade quanto para garantir a preservação dos direitos dos condenados.
*Sócio do Cantelmo Advogados Associados. Especialista em ciências criminais e em gestão de pessoas com ênfase em competências do setor público. Militar da reserva da PMMG. Secretário geral das Comissões de Direito Militar e Segurança Pública da OAB-MG