Por João Carlos Souto* — O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, concedeu perdão "total e incondicional" ao seu filho, Hunter Biden. Com isso, ele fica liberado de uma possível sentença de prisão por condenações sobre a compra ilegal de arma e pela sonegação de US$ 1,4 milhão em impostos. Há alguma contestação quanto à constitucionalidade da medida?
Não há. O perdão judicial é previsto na Constituição dos Estados Unidos e vem sendo praticado e implementado há muito tempo. Está no artigo 2º, na seção 2, que é a parte que diz respeito ao presidente. O artigo 1º fala sobre o Legislativo, e o artigo 2º trata do Poder Executivo. Então, o presidente tem essa prerrogativa no que diz respeito, é bom que fique claro, a crimes federais. O presidente da República somente perdoa quem pratica crimes federais. Se o crime é estadual, ele não tem poder nenhum, porque os Estados Unidos são uma federação.
O perdão judicial após as eleições seria uma forma de evitar desgaste?
De certo modo, sim. Mas tem um detalhe. É comum nos Estados Unidos, é tradição, o presidente conceder o perdão no último dia de mandato. Mas circulam boatos nos Estados Unidos de que Donald Trump poderia perdoar o Hunter Biden. Talvez fosse pior para o presidente ter o filho perdoado por um inimigo político, como se fosse politicagem. Tem outro detalhe muito importante: o Hunter Biden tinha um plea deal com o Ministério Público, e esse acordo estava bastante adiantado, mas foi implodido. Isso foi muito estranho. Há um certo consenso de que a acusação contra ele, considerando que era réu primário, não era caso para prisão. Um dos problemas é que ele teria usado uma arma enquanto estava condenado. Mas nos Estados Unidos, usar arma... Então, há quem diga que foi muito mais por conta de ele ser o filho do presidente. O próprio juiz e o Ministério Público ficaram um pouco temerosos, talvez pela repercussão na imprensa, na sociedade. E aí a pena foi mais dura do que deveria ser.
Donald Trump pode perdoar as próprias condenações?
Nunca houve um caso desse tipo, mas é uma possibilidade. Mas tem um detalhe: Donald Trump praticamente não vai ser condenado a nada, porque há uma decisão da Suprema Corte sobre a ampliação da imunidade do presidente. E o juiz Juan Merchan tende a arquivar o processo. Então, o Trump não precisa se autoperdoar porque ele praticamente não vai ter condenação nenhuma.
Como são esses casos no Brasil?
O Supremo Tribunal Federal já sinalizou que faz o controle da constitucionalidade desses casos. Por exemplo, o STF anulou o perdão daquele deputado federal do Rio de Janeiro (Daniel Silveira) que foi condenado e perdoado pelo ex-presidente (Jair Bolsonaro). Nos Estados Unidos isso dificilmente aconteceria. Eu diria que é quase impossível, porque a Suprema Corte entende que essa decisão não está sujeita a controle judicial.
*Professor de direito constitucional, procurador da Fazenda Nacional, autor de Suprema Corte dos Estados Unidos — Principais decisões (4ª ed/2021)
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