
Guilherme Veiga* — A inteligência artificial (IA) é uma área da ciência da computação que desenvolve sistemas capazes de simular habilidades humanas, como raciocínio, planejamento, aprendizagem e percepção sensorial. Essas máquinas realizam tarefas que, tradicionalmente, exigem inteligência humana. A IA vem criando obras em artes e escrita com autonomia e qualidade estética notáveis, levantando discussões sobre a concessão de direitos autorais a essas aplicações autônomas. Os sistemas de direito autoral atuais, que consideram as obras como "criações do espírito" e os autores como pessoas físicas, enfrentam desafios com essas inovações.
A atribuição de titularidade sobre produções intelectuais geradas por uma Inteligência Artificial é um tema controverso, especialmente considerando a capacidade dessas tecnologias de criar obras de maneira autônoma. Nesse contexto, surge o questionamento sobre a possibilidade de uma IA, atuando independentemente, ser titular de direitos autorais, mesmo que sua criação seja resultado de programação humana e limitada a processos sintáticos, sem alcançar a compreensão semântica característica da cognição humana. Esse cenário suscita reflexões sobre a ausência de intencionalidade e subjetividade na IA, elementos tradicionalmente considerados essenciais para o reconhecimento da autoria no âmbito jurídico.
A Lei nº 9.610/98, que regula os direitos autorais no Brasil, define o autor como a pessoa física que cria obras literárias, artísticas ou científicas. Com o avanço da IA, torna-se essencial adaptar essa legislação para contemplar as criações geradas por inteligência artificial, especialmente considerando que essas não possuem autonomia real ou intencionalidade. Doutrinadores como Sthéfano Bruno Santos Divino e Rodrigo Almeida Magalhães argumentam que a IA, por ser programada externamente, não deveria ser titular de direitos autorais.
Propõe-se, portanto, a criação de um sistema de proteção sui generis que reconheça as contribuições únicas da IA sem confundir suas criações com as humanas. Essa abordagem requer uma reavaliação profunda da legislação vigente, bem como debates sobre as implicações éticas, sociais e legais dessa mudança.
O Projeto de Lei (PL) 2.338/2023, atualmente em tramitação no Brasil, busca regular o uso da IA, refletindo a necessidade de uma legislação que acompanhe os avanços tecnológicos sem antropomorfizar entidades digitais. A integração da IA nos campos criativos exige uma adaptação das leis de direitos autorais para refletir a realidade tecnológica. Isso implica desenvolvimento de normas flexíveis e adaptativas, garantindo que a inovação tecnológica esteja alinhada com os princípios de justiça e ética. A discussão é ampla e envolve não apenas juristas, mas também tecnólogos, filósofos e a sociedade em geral, assegurando que as legislações futuras equilibrem inovação e direitos humanos, respeitando a distinção entre o humano e o produto da máquina.
À medida que a tecnologia avança em ritmo acelerado, as estruturas legais enfrentam o desafio de acompanhar e responder a novas demandas. A IA, enquanto ferramenta revolucionária, tem mostrado sua capacidade de contribuir para inovações notáveis, mas também levanta questões profundas sobre autoria, responsabilidade e os limites do direito tradicional.
Questões sobre responsabilidade, ética programacional e os limites da autonomia das máquinas reforçam a urgência de estabelecer diretrizes claras que protejam tanto os indivíduos quanto a sociedade como um todo. Assim, a IA não apenas desafia os conceitos tradicionais de autoria e propriedade, mas também exige uma reavaliação da forma como o direito aborda a inovação tecnológica.
Essa discussão transcende fronteiras, envolvendo o direito transnacional e a harmonização de normas internacionais. Criar um ambiente regulatório global, que equilibre inovação e proteção de direitos, será crucial para evitar conflitos entre jurisdições e promover uma governança eficiente da IA. O reconhecimento de que a tecnologia avança mais rápido do que as leis destaca a importância de uma abordagem proativa e colaborativa, unindo especialistas em direito, tecnologia e ética.
Portanto, é inevitável concluir que o futuro da regulação da IA na propriedade intelectual, e em outros aspectos, dependerá de um esforço conjunto de legisladores, desenvolvedores e a sociedade em geral. O equilíbrio entre regulação e liberdade tecnológica será fundamental para o sucesso dessa jornada, moldando o impacto da IA na sociedade contemporânea e nas gerações futuras.
*Mestre em direito. Especialista em direito constitucional internacional pela Universitá di Pisa, Itália. Advogado com atuação no STF e STJ
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