Visão do Direito

Desejando bom dia a cavalo — as declarações de executivos na análise do Cade

"Ao dar peso às declarações de executivos, a autoridade incentivaria as empresas a serem mais transparentes e coerentes em suas interações com o público"

José Carlos Berardo, advogado, sócio de Berardo Advogados -  (crédito: Divulgação)
José Carlos Berardo, advogado, sócio de Berardo Advogados - (crédito: Divulgação)

Por José Carlos Berardo* — As declarações de executivos devem influenciar o processo decisório? O NeoFeed reporta que o CEO da Petz, Sérgio Zimerman, ao comentar a combinação de negócios com a Cobasi, afirmou: "Temos uma guerra no mundo físico, onde o principal competidor é a Cobasi e vice-versa. (...) e esse cenário onde um fica dando tiro no outro interessa aos concorrentes e nos divide (...) é algo que sangra ambas as companhias. Esse é o principal mérito dessa transação e foi o ponto central da nossa reaproximação."

Esse raciocínio sugere que o objetivo central da operação é eliminar a concorrência direta entre as empresas, o que, como consequência, prejudicaria os consumidores que hoje se beneficiam da competição.

Em outras declarações, o executivo alega que os produtos asiáticos e os marketplaces são fontes importantes de pressão competitiva e que o novo negócio gera uma situação de "custos mais racionais", o que dá "espaço para ter um pouco de recuperação de margem".

Essas declarações remetem ao caso das ligas de golfe (PGA e LIV), no qual um dos presidentes afirmou, ao anunciar a fusão, que era essencial "no final das contas, remover o concorrente do cenário." O CFO da Visa, nos Estados Unidos, também foi citado em uma ação, ao afirmar que "todo mundo é amigo e parceiro, ninguém é concorrente," no contexto em que oferecia pagamentos a terceiros para não invadirem seu espaço.

As diretrizes internacionais sobre a análise de fusões são inequívocas: documentos internos das empresas são considerados elementos com alto valor probatório, ou seja, têm peso significativo na avaliação das intenções e impactos concorrenciais de uma operação, em especial no que diz respeito à otimização de recursos. Essa abordagem reflete o reconhecimento de que tais documentos oferecem uma visão autêntica, sem filtros, das estratégias empresariais.

O negócio Petz/Cobasi ainda será analisado pelo Cade e, nesse contexto, questionam-se se as declarações de administradores deveriam receber ênfase no julgamento de casos antitruste. Parece inegável que comentários de executivos graduados — seja para o público externo, seja interno — não são meros discursos alegóricos, pois têm um propósito e oferecem insights valiosos sobre as intenções e expectativas relacionadas à operação.

Naturalmente, o Cade deve se basear em critérios técnicos, provas documentais e análises econômicas robustas para tomar suas decisões. Mas, se o exercício da análise antitruste no âmbito de fusões e aquisições (M&A) é, em sua essência, uma análise comparativa de possíveis cenários, esses insights revelam onde residem as maiores probabilidades nessa comparação.

Declarações "despreocupadas" de executivos revelam elementos cruciais que podem não estar presentes nos documentos formais. Ignorá-las pode significar perder uma peça importante do quebra-cabeça - talvez a mais relevante. Faz parte do dever do Cade atentar para o caminho explicitamente apontado pelas lideranças das grandes fusões no momento de ponderar seus efeitos.

Ao dar peso às declarações de executivos, a autoridade incentivaria as empresas a serem mais transparentes e coerentes em suas interações com o público.

Veja-se: ao mesmo tempo em que diz que a combinação de negócios com a Cobasi tem como "mérito" fazer as empresas pararem de trocar tiros, que a competição de outros agentes no comércio eletrônico é importante e que a operação gera eficiências significativas (capazes de permitir a recuperação de margens!), o CEO da Petz recentemente alegou que o "espírito da operação" é melhorar as condições para o consumidor. O exemplo disso seria um corte de custos de abertura de novas lojas físicas.

Essa afirmação é deveras problemática: o argumento sugere que a fusão permitirá a eliminação de redundâncias, mas de que forma isso se reverterá em repasses aos consumidores de parte relevante dos benefícios decorrentes da operação?

Enfim, com qual Sérgio o Cade vai concordar? Mais importante ainda, qual será o fundamento que a autoridade utilizará em sua análise? As declarações do CEO da Petz, inclusive, colocam as autoridades em maus lençóis perante a opinião pública, considerando a afirmação de que "se o Cade entendesse o espírito dessa união, aprovaria em uma semana."

Duas conclusões são essenciais: primeiro, é essencial que executivos compreendam o peso de cada declaração pública, pois essas podem impactar profundamente o sucesso de uma fusão ou aquisição. Segundo, ao integrar as declarações dos executivos em sua análise, o Cade não apenas enriquece sua compreensão da estratégia empresarial e do M&A específico, mas fortalece a legitimidade de suas decisões perante a sociedade.

*Advogado, sócio de Berardo Advogados

 

Opinião
postado em 19/12/2024 03:00
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