Por Sarah Ornellas Assis Ferreira* e André Corsino dos Santos Junior** — O acesso à Justiça é um direito constitucional fundamental, consagrado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Trata-se de uma garantia essencial para que os cidadãos busquem reparação quando seus direitos são violados. No entanto, nem sempre essa busca ocorre de forma legítima.
Atualmente, observa-se um crescimento preocupante no número de processos distribuídos no Judiciário brasileiro, o que tem contribuído para a sobrecarga dos tribunais. De acordo com o relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há cerca de 84 milhões de processos em tramitação no Brasil, representando um aumento de 9,5% entre 2023 e 2024. Esses números fazem do Brasil o país com o maior volume de litígios no mundo.
Em meio a essa crescente judicialização, o fenômeno da litigância predatória destaca-se como um agravante. Essa prática envolve o ingresso de ações judiciais de forma massificada e irresponsável, muitas vezes, por advogados que atuam em temas sensíveis no Judiciário, utilizando processos padronizados e baseados em irregularidades, como falsificação de documentos e assinaturas. Em muitos casos, os próprios autores das ações desconhecem que seus nomes estão sendo utilizados, configurando desvio ético e legal.
A litigância predatória levanta diversas problemáticas que precisam ser enfrentadas com urgência. Entre elas, destacam-se as consequências do abuso do direito de ação para o sistema judiciário e para a sociedade. O uso desenfreado da máquina judiciária, especialmente com o benefício da justiça gratuita, gera um custo elevado para os cofres públicos, além de sobrecarregar ainda mais os tribunais, comprometendo a eficiência do sistema.
Esse tipo de conduta impacta diretamente a eficiência do Poder Judiciário, que já enfrenta dificuldades para lidar com o grande volume de processos. A sobrecarga de ações de cunho predatório aumenta o tempo de tramitação das causas, prejudicando aqueles que buscam uma solução legítima para seus conflitos e comprometendo o direito constitucional à duração razoável do processo. A necessidade de cautela adicional por parte dos magistrados, diante de possíveis fraudes e irregularidades, torna a resolução dos litígios ainda mais lenta, gerando insatisfação e descrença na Justiça.
Diversos tribunais brasileiros têm adotado medidas preventivas para combater essa prática, como a emissão de notas técnicas e orientações para melhorar a eficiência do sistema e garantir o uso adequado da Justiça. No entanto, essa luta contra a litigância predatória é contínua e requer um esforço coordenado para preservar a integridade do Poder Judiciário.
Além das consequências institucionais, a litigância predatória traz impactos sociais significativos. Ela incentiva uma cultura de judicialização, na qual a sociedade passa a ver o Judiciário como a principal forma de resolução de conflitos, negligenciando soluções extrajudiciais, como a mediação e a conciliação. Esse comportamento normaliza o uso dos tribunais para qualquer tipo de disputa, minando a confiança em alternativas pacíficas e colaborativas e deteriorando as relações sociais ao tornar o litígio a primeira escolha.
Diante desse cenário, é necessário implementar mecanismos eficazes para coibir práticas abusivas e assegurar que o sistema judicial seja utilizado de forma responsável e ética.
Nesse sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem um papel essencial a desempenhar. A OAB pode agir por meio de uma fiscalização ética rigorosa dos advogados, aplicando sanções disciplinares quando necessário, e promovendo campanhas de conscientização e educação sobre os impactos negativos da litigância predatória, tanto entre os profissionais do direito quanto no público em geral. Essas ações são fundamentais para preservar a integridade do sistema judicial e garantir que ele continue a servir à justiça de forma eficaz.
A litigância predatória representa um sério desafio ao funcionamento adequado do sistema judicial brasileiro. Seu impacto vai além da sobrecarga de processos, afetando diretamente a eficiência e a credibilidade da Justiça. A prática predatória distorce o uso do direito de ação, gerando custos elevados para o Estado e comprometendo a duração razoável dos processos, prejudicando tanto o sistema quanto a sociedade.
Para enfrentar essa problemática, é crucial o fortalecimento de mecanismos de controle e a atuação da OAB na fiscalização ética e na conscientização dos profissionais do direito. Além disso, deve-se incentivar a utilização de métodos alternativos de resolução de conflitos, como a mediação e a conciliação, para reduzir a dependência do Judiciário como única via de resolução de disputas. Somente com um esforço conjunto entre o Poder Judiciário, a OAB e a sociedade será possível combater eficazmente a litigância predatória e garantir um sistema de Justiça mais justo, acessível e eficiente para todos.
*Advogada de demandas estratégicas no Mascarenhas Barbosa Advogados
**Advogado sênior do Banco BMG
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