Visão do Direito

Presença feminina em posições de liderança é desafio para a advocacia, diz Karolyne Guimarães

"Um estudo da OAB indica que as mulheres negras, apesar de constituírem uma parte expressiva das formandas em direito, representam uma pequena parcela nas contratações em escritórios, principalmente em posições de prestígio"

Por Karolyne Guimarães* — A advocacia, profissão historicamente dominada por homens, tem sido cada vez mais ocupada por mulheres. Mas enfrentamos desafios para consolidar nosso espaço, especialmente em contextos que envolvem maternidade, discriminação racial e deficiência. Um dos grandes desafios é conciliar a carreira com a maternidade. A advocacia requer uma carga horária extensa, alta dedicação e disponibilidade, especialmente em escritórios tradicionais, onde o sucesso é frequentemente medido pelo número de horas trabalhadas. Assim, advogadas que também são mães encontram-se divididas entre o desejo de se realizarem profissionalmente e as demandas pessoais e familiares.

A rotina intensa de prazos processuais, audiências e preparação de defesas exige uma disponibilidade que, muitas vezes, colide com as responsabilidades maternas. Ainda que a pandemia tenha popularizado o trabalho remoto, advogadas relatam que a carga mental não diminui, pois há uma sobreposição entre o trabalho e as responsabilidades domésticas, com esgotamento físico e emocional.

Embora o número de mulheres na advocacia tenha crescido, a presença feminina em posições de liderança ainda é baixa. O mercado de trabalho não é homogêneo e algumas mulheres enfrentam barreiras adicionais. As advogadas negras e com deficiência (PCDs) são, estatisticamente, as que mais encontram dificuldades de inserção e crescimento. Um estudo da OAB indica que as mulheres negras, apesar de constituírem uma parte expressiva das formandas em direito, representam uma pequena parcela nas contratações em escritórios, principalmente em posições de prestígio.

A discriminação racial e a falta de acessibilidade para pessoas com deficiência criam obstáculos tanto na fase de recrutamento quanto na progressão de carreira. A baixa representatividade desses grupos em escritórios de advocacia, especialmente nas grandes bancas, reflete uma cultura ainda excludente. Mesmo entre quem consegue uma posição, é comum que experimentem preconceitos sutis ou explícitos.

Para advogadas negras, a falta de modelos de sucesso com quem possam se identificar dificulta ainda mais a inserção e o crescimento na carreira. Em muitos casos, elas são desestimuladas a buscar cargos de liderança, uma vez que a estrutura corporativa dos escritórios tradicionais, muitas vezes, não acolhe e promove a diversidade. Para PCDs, a falta de acessibilidade é um grande obstáculo, que vai desde a ausência de rampas de acesso e elevadores adequados até a falta de tecnologia assistiva para o trabalho. Até hoje, a sede da OAB-DF não possui a devida acessibilidade.

Para as advogadas que enfrentam a dupla jornada de trabalho, a IA pode ser uma aliada significativa, reduzindo o tempo necessário para tarefas manuais e, assim, ampliando a disponibilidade para outras atividades. No entanto, há desafios éticos e práticos. Com a automação crescente, alguns setores temem que a IA possa substituir profissionais, particularmente daqueles em posições de entrada.

Esse é um receio para as mulheres negras e PCDs, pois, muitas vezes, estão nas posições mais vulneráveis. É indispensável que as lideranças da OAB estejam comprometidas com a criação de um ambiente mais acolhedor, onde advogadas possam prosperar sem serem punidas por escolhas pessoais, como a maternidade. O sistema jurídico deve evoluir para um ambiente onde todas e todos, independentemente de gênero, cor ou condição física, possam encontrar as mesmas oportunidades de reconhecimento. A construção de uma advocacia mais justa e inclusiva depende de uma postura ativa e comprometida da OAB com a igualdade.

 *Advogada Criminalista

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