Visão do Direito

Cyberstalking: perseguição virtual e desafios da tutela penal na era digital

Mais de 57 mil casos de stalking foram registrados em 2023, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública

O cyberstalking está amplamente difundido nos meios digitais, evidenciando a urgência de que a legislação brasileira acompanhe os avanços tecnológicos -  (crédito: Freepik)
O cyberstalking está amplamente difundido nos meios digitais, evidenciando a urgência de que a legislação brasileira acompanhe os avanços tecnológicos - (crédito: Freepik)

Por Estela Mares Vaz Rodrigues, Advogada criminalista

A evolução da tecnologia e a ampliação do acesso à internet transformaram a forma como as relações interpessoais se estabelecem, proporcionando uma comunicação imediata que se estende por todo o mundo. Contudo, as novas possibilidades também trazem riscos à segurança e à liberdade dos usuários.

Entre os fenômenos que emergiram na era digital, destaca-se a perseguição virtual, conhecida mundialmente como cyberstalking, em que o agente, no âmbito virtual, persegue sua vítima de forma obsessiva e repetitiva, com o objetivo de invadir e perturbar sua liberdade e privacidade de diversas maneiras.

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De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024) do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram registrados 57.294 casos de perseguição, em qualquer meio, cujas vítimas eram mulheres, em 2022, e 77.083 em 2023, um aumento de 34,5%, o que evidencia a expansão e o agravamento dessa problemática.

Em termos de legislação, a Lei de Contravenções Penais, de 1941, já trazia esboços da conduta em seu artigo 65. No entanto, foi apenas com a Lei nº 14.132/2021 que houve um avanço significativo na criminalização da perseguição, com a inclusão do artigo 147-A no Código Penal. Assim, a tipificação de "molestar alguém ou perturbar a sua tranquilidade", prevista na norma de 1941, foi revogada e substituída por um tipo penal mais completo:

"Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade."

Apesar desse importante marco, algumas lacunas legislativas permanecem, especialmente no que se refere ao ambiente digital, no qual as vítimas podem ser monitoradas e assediadas por meio de redes sociais, e-mails, aplicativos de mensagens e outras plataformas.

A falta de especificidade na regulamentação gera dificuldades tanto para a caracterização do delito quanto para sua investigação e punição, razão pela qual se deve refletir sobre as limitações da legislação vigente.

Como o dispositivo legal trata do crime de perseguição de forma geral, ele não contempla os aspectos específicos do cyberstalking, falhando em se adaptar às peculiaridades da tecnologia. Isso gera dificuldades na interpretação e aplicação da norma.

Além disso, a perseguição virtual é uma prática complexa, que pode se manifestar de diversas formas, o que torna ainda mais desafiadora sua caracterização e combate. Por ocorrer no espaço on-line, o rastro deixado pelo agente pode ser facilmente mascarado ou manipulado por meio de técnicas que garantem o anonimato, como o uso de VPNs, criptografia e contas falsas, dificultando significativamente a identificação do autor.

A internet também oferece ferramentas acessíveis que facilitam o cometimento de inúmeras modalidades desse crime, como o envio de mensagens repetitivas e intimidadoras por e-mails e redes sociais, o uso de aplicativos de geolocalização para vigiar a vítima, a invasão de contas pessoais para obter informações privadas e utilizá-las como forma de chantagem, além da criação de perfis falsos para assediar. Essas práticas limitam a eficácia de medidas restritivas previstas na lei, como a proibição de contato entre o agente e a vítima.

Outro grande obstáculo na investigação é a questão das provas digitais. A volatilidade dos dados dificulta a preservação de evidências, que podem ser apagadas ou adulteradas rapidamente, dependendo dos registros das plataformas. Ademais, muitas dessas empresas adotam políticas rigorosas de proteção de dados e privacidade, o que pode dificultar ou retardar a colaboração com as autoridades.

É essencial fomentar a cooperação entre as autoridades judiciais e as redes sociais, de modo a assegurar a proteção eficaz das vítimas, por meio de ações como o bloqueio de contas dos perseguidores e a remoção de conteúdos ofensivos.

Diante disso, observa-se que o cyberstalking está amplamente difundido nos meios digitais, evidenciando a urgência de que a legislação brasileira acompanhe os avanços tecnológicos. Caso contrário, o direito penal tradicional será insuficiente para combater a perseguição virtual. Torna-se necessária, portanto, a atualização constante das práticas investigativas e a implementação de medidas protetivas adaptadas à realidade digital.

 

postado em 21/11/2024 05:00
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