Por Everardo Gueiros* — A advocacia brasileira carrega uma missão que ultrapassa a defesa de casos particulares. Historicamente, tem sido uma das principais defensoras das liberdades individuais, dos direitos humanos e do próprio Estado Democrático de Direito. O século XX trouxe grandes mudanças para o Brasil e para a advocacia, que se estruturava enquanto classe essencial para a sociedade. Desde 1930, a criação da OAB representou um marco histórico, consolidando um sistema de proteção para a categoria e lançando as bases das prerrogativas profissionais. Essas prerrogativas foram definidas não apenas como direitos dos advogados, mas, sobretudo, como garantias para o exercício da defesa dos cidadãos.
Entre as prerrogativas fundamentais, destacam-se o sigilo profissional, a inviolabilidade do escritório, a garantia de ampla defesa e a livre comunicação entre advogado e cliente, inclusive, em momentos de reclusão. No entanto, a construção desse arcabouço de direitos não foi simples. Em cada fase de nossa história, especialmente nos momentos de crise política e social, a advocacia se viu desafiada a lutar para garantir o respeito às suas prerrogativas.
Durante a ditadura militar, a OAB desempenhou um papel essencial na defesa dos direitos humanos e na denúncia de abusos contra os cidadãos. Em um ambiente marcado pela censura, pela repressão e pelo cerceamento das liberdades, advogados e advogadas se uniram para garantir que a Justiça fosse uma possibilidade real para aqueles que se viam perseguidos pelo Estado. Esse período, talvez mais que qualquer outro, solidificou a imagem da advocacia brasileira como defensora das liberdades e da dignidade.
Com a redemocratização, o papel da advocacia se expandiu. A Constituição de 1988 reafirmou a importância das prerrogativas, assegurando aos advogados e advogadas o papel de indispensáveis à administração da Justiça. Esse reconhecimento não foi um privilégio e sim uma garantia para que todos pudessem ter acesso a uma defesa justa e imparcial.
Durante esse período, a advocacia consolidou-se como voz ativa nas discussões sobre direitos humanos e políticas públicas, cobrando transparência, respeito às leis e defesa dos princípios democráticos. A luta por prerrogativas ganhou novos contornos, uma vez que o país enfrentava desafios, como a consolidação do Estado de Direito, o combate à impunidade e a criação de mecanismos de proteção à cidadania.
Nas últimas décadas, as prerrogativas da advocacia têm sido testadas por novos desafios. Em contexto marcado pela polarização política, pelos avanços tecnológicos e pela necessidade de garantir direitos em ambiente cada vez mais complexo, a advocacia segue na linha de frente. Questões como a privacidade dos dados, o combate à corrupção e a defesa dos direitos fundamentais tornaram-se temas centrais na pauta de toda a classe.
Porém, observa-se uma postura preocupante da Ordem em relação à defesa de seus advogados em tempos recentes. Em episódios, como o de 8 de janeiro, foi possível perceber um acovardamento institucional, deixando advogados expostos em sua atuação profissional e fragilizando as prerrogativas que deveriam ser o alicerce de uma atuação independente. A OAB, que já se levantou em prol de advogados ameaçados e perseguidos, deixou de se posicionar de forma firme e intransigente, causando inquietação entre aqueles que ainda veem a advocacia como instrumento de defesa das liberdades e dos direitos humanos. É imperativo que a OAB retome a defesa plena dessas prerrogativas para que advogados possam atuar com segurança e independência.
A história da advocacia é da luta por direitos e liberdades. Ao longo do tempo, a advocacia enfrenta o desafio de manter suas prerrogativas respeitadas, garantindo que cada cidadão tenha acesso à Justiça. Mas, ao mesmo tempo, esse histórico impõe uma responsabilidade: a de continuar sendo uma força ativa em defesa dos princípios democráticos. É essencial que advogados e advogadas lembrem-se de que sua atuação em cada processo transcende o caso individual, sendo uma peça fundamental na engrenagem da sociedade democrática.
*Advogado especialista em direito eleitoral, direito processual civil e direito empresarial
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