Eleições nos EUA

Triunfo de Trump, mesmo condenado, acalenta sonho de bolsonaristas

Trump será o primeiro condenado pela Justiça a presidir os Estados Unidos, e mesmo eleito presidente, terá de ir a julgamento

Aliado de Bolsonaro, Trump será o 47º presidente dos EUA -  (crédito: AFP)
Aliado de Bolsonaro, Trump será o 47º presidente dos EUA - (crédito: AFP)

A vitória de Donald Trump, eleito como o 47° presidente dos Estados Unidos, acalenta o sonho dos bolsonaristas de uma volta triunfal nos mesmos padrões. Há muitas semelhanças sobre o caminho dos dois: Trump perdeu a reeleição, em 2020, o que deixou o país dividido, questionou o resultado das urnas, tentou uma volta contra a democracia e manteve um eleitorado fiel mesmo sendo condenado em processos judiciais.

Para Jair Bolsonaro, no entanto, há uma barreira fundamental a ultrapassar: a inelegibilidade imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela condenação no processo relacionado à reunião com embaixadores em que atacou o sistema eleitoral brasileiro. Há outros inquéritos da Polícia Federal que poderão levar a novas condenações. O retorno de Trump à Casa Branca, depois de atropelar a candidata democrata Kamala Harris, no entanto, alimenta a chama da extrema-direita no Brasil e no mundo.

Esta será a primeira vez que um condenado pela Justiça presidirá os Estados Unidos. Em maio, o republicano foi considerado culpado pela Justiça por fraude contábil ao declarar como gasto da campanha de 2016, quando se elegeu presidente pela primeira vez, o pagamento feito à ex-atriz pornô Stormy Daniels. A pena de Trump ainda será divulgada.

Trump é réu em outros três processos. E, mesmo eleito presidente, terá de ir a julgamento. Em um dos casos, o republicano é acusado de tentar um golpe para reverter o resultado das eleições presidenciais de 2020, com a invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 — o que pode ser comparado ao 8 de janeiro de 2023.

O republicano foi denunciado ainda por mulheres por supostamente praticar crimes sexuais — entre os quais estupros — segundo a imprensa norte-americana. Trump nega todos as acusações. Nada disso foi suficiente para impedir uma vitória incontestável justamente sobre uma ex-promotora de Justiça que processou com rigor inúmeros criminosos na Califórnia. 

Além disso, os processos federais contra Trump poderão ser suspensos, uma vez que o presidente vai nomear o próximo chefe do Departamento de Justiça — que equivale à Procuradoria-geral da República e à Advocacia-geral da União. E, se os processos chegarem à Suprema Corte, Trump também leva vantagem, uma vez que o tribunal tem maioria conservadora.  

Mas, se Trump pôde concorrer, por que não Bolsonaro? É o que pensam os bolsonaristas que agora vão correr atrás da aprovação de projeto de lei que garanta a anistia aos sentenciados pelo 8 de janeiro e também leve ao perdão da condenação de Bolsonaro. O projeto estava na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara e foi suspenso por conta do processo de sucessão no comando das Casas no Congresso.

Mas o projeto que prevê a anistia a presos e condenados por participação nos atos golpistas de 8 de janeiro é prioridade da direita que quer aproveitar o ensejo para reverter a inelegibilidade de Bolsonaro. O ex-presidente conta com o apoio de Trump mesmo que indireto, pela onda à direita. O republicano começará seu segundo governo fortalecido pelo resultado eleitoral, entre os votos populares e os dos delegados, além do predomínio do Partido Republicano no Congresso dos Estados Unidos. 

Aliado de Trump, Bolsonaro declarou apoio público ao republicano quando as pesquisas ainda apontavam empate. O filho 03, deputado Eduardo Bolsonaro (PL-RJ), acompanhou a apuração dos votos em Mar-a-Lago, o QG de Trump, na Flórida. E, quando a glória de Trump era eminente, Bolsonaro postou nas redes sociais: "Que a vitória de Trump inspire o Brasil a seguir o mesmo caminho. Que nossos compatriotas vejam neste exemplo a força para jamais se dobrarem, para erguerem-se com honra, seguindo o exemplo daqueles que nunca se deixam vencer pelas adversidades".

Em outra postagem, Bolsonaro afirmou: "Salmos 30:5: O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã". Enquanto Bolsonaro sempre esteve ao lado do republicano, o presidente Lula declarou preferência pela democrata Kamala Harris. Mas reconheceu o triunfo de Bolsonaro e lhe desejou boa sorte.

A anistia de Bolsonaro, caso seja aprovada no Congresso, deverá chegar ao STF. O ministro-chefe da Advocacia-geral da União (AGU), Jorge Messias, já declarou que considera esse perdão judicial inconstitucional. Especialistas explicam a palavra final será do STF. "Se for aprovada (anistia) via projeto de lei, o STF teria o poder de, caso instado, se manifestar sobre a constitucionalidade do PL. Mas não é fácil saber o que acontecerá, porque ainda não há um texto final que o alcance", afirma um procurador. Se o caminho for uma proposta de emenda constitucional, ainda assim a matéria pode chegar ao Supremo: "O STF tem entendimento de que é possível analisar a constitucionalidade de emendas constitucionais, adotando como parâmetros as cláusulas pétreas, por exemplo".

No STF, a vitória e Trump não terá impacto. "Creio que não há interferência alguma porque o Supremo Tribunal Federal é o mais importante tribunal do país, altivo, com decisões relevantes para a manutenção da democracia no Brasil. Ninguém há de negar isso e o STF teve a postura recente, entre outras, no sentido de tirar de circulação a plataforma X, o antigo Twitter, por descumprir a legislação brasileira. Uma empresa do homem mais rico do mundo, com influência nas redes sociais, e do ponto de vista internacional, e o STF teve a tranquilidade e repito, a altivez, para fazer cumprir a legislação que exige que empresas estrangeiros tenham representantes no Brasil", afirma o procurador da Fazenda Nacional João Carlos Souto, que acompanhou as eleições em Washington. "Acho que uma situação não tem nada a ver com a outra. Se um determinado político se enquadra nas regras de inelegibilidade permanecerá assim", avalia Souto. 

Professor de direito constitucional, autor de Suprema Corte dos Estados Unidos — Principais decisões, Souto acredita que, se a anistia eventualmente for aprovada na Congresso, passará pelo crivo do STF que não se deixará influenciar pela política dos Estados Unidos e tem a prerrogativa do controle de constitucionalidade no país. "Essa é uma doutrina inaugurada nos Estados Unidos no ano de 1803 no caso Marbury vs. Madison, que era justamente contra um presidente recém-eleito, uma decisão do presidente Thomas Jefferson de não dar posse a juízes indicados na administração anterior de John Addams. A doutrina da justice review que foi incorporada pela Constituição de 1891 do Brasil dá ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de dizer se um ato está ou não de acordo com a Constituição e, se não está de acordo, o ato não pode superar o texto constitucional", afirma.

 


postado em 07/11/2024 05:00 / atualizado em 07/11/2024 00:00
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