Por Eduarda Alves de Almeida*, Sarah Beatriz Portela de Lima** e Fernanda Sayão Nogueira Araujo*** — A aposentadoria, apesar de ser um direito constitucional e um dos pilares do regime jurídico dos servidores públicos no Brasil, tem sua concessão submetida a determinados critérios, entre os quais se destaca a existência de ações disciplinares em curso no momento da inativação.
O principal objetivo do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é esclarecer os fatos de uma denúncia ou acusação, servindo como instrumento para que a Administração Pública investigue possíveis infrações cometidas pelos servidores no desempenho de suas funções. Esse processo permite que a Administração apure e, se necessário, aplique punições como advertência, suspensão ou demissão ao servidor que cometeu o ilícito.
De acordo com o art. 172 da Lei n.º 8.112/1990, "O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada".
Da análise literal desse dispositivo, entende-se que todos os servidores que respondem a um PAD estariam impedidos de se aposentarem até que o processo fosse concluído.
No entanto, há bastante tempo, o Poder Judiciário vem flexibilizando a interpretação dessa norma para permitir a concessão de aposentadoria voluntária a servidores públicos que respondem a PAD, nos casos em que o prazo para a conclusão do processo tenha ultrapassado o limite legal.
Esse prazo é delimitado pelos arts. 152 e 167 da Lei n.º 8.112/1990, segundo os quais a Administração possui até 60 (sessenta) dias para concluir o PAD, prorrogáveis por igual período, além de mais 20 (vinte) dias para exarar a decisão final, totalizando 140 (cento e quarenta) dias.
Isso significa que, para impedir que a Administração obstrua o direito à aposentadoria por tempo indefinido — uma vez que se trata de uma garantia constitucional -, a interpretação do art. 172 da Lei n.º 8.112/1990 deve ser promovida de forma sistemática e em consonância com os demais prazos estipulados na referida Lei.
Além disso, nos casos em que for constatada falta grave no PAD, a jurisprudência pátria entende que o interesse público está plenamente protegido, dada a possibilidade de aplicação da regra de cassação de aposentadoria prevista no art. 134 da Lei n.º 8.112/1990.
Em outras palavras, mesmo que a aposentadoria do servidor seja concedida antes da conclusão do PAD, é possível que, ao ser verificada a prática de infração grave, essa aposentadoria seja posteriormente revogada.
Nesse contexto, devem ser considerados os princípios constitucionais da razoabilidade e da eficiência administrativa, pois o prolongamento indefinido de um PAD sem justificativa plausível viola o direito do servidor à conclusão do procedimento administrativo dentro de um prazo razoável.
À luz desse entendimento, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve sentença que autorizou a concessão de aposentadoria voluntária a uma servidora pública que respondia a PAD. A decisão da Corte ressaltou que a ação disciplinar não pode ser utilizada como empecilho para a aposentadoria, especialmente quando o procedimento ultrapassa os prazos legais.
Segundo o Desembargador Federal Relator Luis Alberto d'Azevedo Aurvalle, a aposentadoria não traz prejuízo ao Poder Público, pois sua concessão não impede o curso regular do PAD.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), esse entendimento se encontra pacificado em vários precedentes, reafirmando a extrapolação do prazo para conclusão do PAD como justificativa para a concessão de aposentadoria.
Complementarmente, a Advocacia-Geral da União (AGU) editou o Enunciado n.º 17 do Manual de Boas Práticas Consultivas em Matéria Disciplinar, que reforça esse posicionamento, nos seguintes termos: "Ultrapassado o prazo legal de 140 (cento e quarenta) dias para a apuração e conclusão do processo administrativo disciplinar, a Administração Pública não poderá obstar, apenas com fundamento no art. 172 da Lei n.º 8.112, de 1990, a concessão de aposentadoria voluntária requerida pelo servidor acusado no curso do processo, salvo a demonstração inequívoca de ter sido ele o único responsável pela demora na realização da fase de instrução processual, impedindo, por consequência, o julgamento pela autoridade competente em prazo razoável".
Em síntese, o entendimento de que o PAD não pode inviabilizar o exercício do direito constitucional à aposentadoria exige que a Administração conduza as ações disciplinares com celeridade e razoabilidade, em respeito às garantias constitucionais fundamentais.
Na hipótese de ofensa a esses direitos, recomenda-se procurar um profissional especializado em Direito Administrativo e/ou Previdenciário para regularizar tanto o processo de aposentadoria quanto a ação disciplinar.
*Sócia do Liporaci Advogados e especialista em Direito Previdenciário,
**Sócia do Liporaci Advogados e advogada com atuação focada em Direito Administrativo
***Advogada no Liporaci Advogados